Definindo GPL e copyleft
A palestra começa com uma descricão do que é a GPL, partindo da definição das 4 liberdades básicas do software e dizendo que qualquer licença, escrita por qualquer pessoa, pode ser uma licença de software livre - desde que garanta as 4 liberdades. Stallman nota que talvez esta seja a razão de existirem tantas licenças livres, talvez até em número excessivo.
Como já é o default, ele usou hipérboles pra falar sobre o assunto, num modo maniqueísta de tratar o licenciamento: traduzindo o que ele disse, a relação é assim: [ a licença provê as 4 liberdades ] XOR [ (a distribuição do programa é anti-social) AND (ela ataca a liberdade do usuário) AND (ela ataca a solidariedade social) AND (ela colabora para manter os usuários divididos e sem apoio) ].
Descrito assim, e isso ele não disse, medidas para tornar menos restritivas as licenças proprietárias de hoje em dia não são encaradas como uma batalha ganha - ou a licença já apresenta todas as 4 liberdades, ou ela é praticamente um atentado ao equilíbrio da vida, do universo e de tudo o mais...
Um ponto interessante como curiosidade e tema de conversa no bar depois da próxima install fest é que o Stallman contou que a GPL não foi a primeira licença de software livre - a licença do TeX veio antes.
Em seguida ele entrou num tema que provoca muita confusão - o copyleft. Já vi muita gente séria pensando que estava corretíssima "ensinando" aos demais que o que diferencia as licenças livres das licenças abertas é a existência de copyleft. Bobagem, como aquela pesquisa recente aqui do Brlinux [nota do editor: acho que ele se refere à demonstração prática de que a absoluta maioria das licenças de código aberto também são de software livre, e vice-versa] demonstrou, e espero que todo mundo que tinha dúvidas tenha aprendido.
Segundo o Stallman, copyleft significa que a licença defende ativamente a liberdade de todos os usuários, porque não pára em oferecer as 4 liberdades: ele garante que qualquer outro usuário que receba uma cópia vai ter as 4 liberdades também - ou seja, as licenças com copyleft exigem que todos os usuários que recebam o programa recebam junto as 4 liberdades.
No meu ver, o copyleft alcança essa capacidade (muito importante, diga-se de passagem) removendo o que seria uma quinta liberdade do usuário ou desenvolvedor, raramente mencionada pelo Richard mas fornecida por algumas outras licenças: a liberdade de mudar os termos de licenciamento.
Stallman lembrou de confirmar que a GPL é uma licença copyleft, mas não mencionou que a GPL 3 reconhece explicitamente a possibilidade de licenciamento dual, que pode restringir não só essa, mas também outras liberdades. Não que isso seja uma desvantagem: com a GPL atual também é possível fazer licenciamento dual (como o do MySQL...), o assunto só não é mencionado nos termos dela. Na GPL 3 o reconhecimento disso consta no texto dela.
No princípio eram as trevas: como surgiu a GPL
Em seguida o Stallman contou como surgiu a GPL. As primeiras licenças que ele construiu foram pros programas iniciais do GNÚ, cada um com a sua própria: tinha a licença GPL do Emacs, a licença GPL do GCC... e elas eram idênticas, mas como cada uma mencionava o nome do programa a que se referia, não eram a mesma.
Aí em 1989 ele resolveu isso criando a GNU General Public License versão 1, que foi a primeira GPL de uso geral. Em 1991 ele lançou a GPL 2, com pequenas modificações, incluindo a cláusula "liberdade ou morte", que impedia uma pessoa de distribuir um programa sob a GPL se ele tentasse restringir a liberdade dos usuários desse programa de algum jeito extra-licenciamento - por exemplo, através de patentes.
Segundo ele, essa cláusula não pode impedir alguém de "matar" um programa livre se ele infringir alguma patente, mas certamente impede alguém de "escravizar" um programa livre fazendo pressão com patentes para cobrar de seus usuários ou distribuidores. O que me chamou a atenção aqui, e eu anotei com várias exclamações no meu bloco, foi que o Richard "free as in freedom" Stallman se limitou a falar do pagamento pela redistribuição como aspecto negativo dessa escravização - ele não falou sobre a possibilidade de o dono da patente impedir futuros desenvolvimentos, estudo do funcionamento ou algo relacionado mais diretamente às 4 liberdades. Mas talvez eu tenha ouvido mal alguma coisa...
Uma estatística interessante que ele apresentou foi que a GPL hoje é a licença adotada por 70% dos softwares livres. E que essa adoção voluntária sempre foi objetivo dele, e começou já durante a década de 90.
Apesar de o time estar ganhando, o Stallman quer mexer nele, e esta mudança sempre estava planejada, segundo ele: é por isso que sempre houve a recomendação de licenciar os programas pela GPL versão 2 "ou qualquer versão posterior". Segundo ele, a GPL 3 não traz nenhuma grande mudança, só mudanças pequenas, cada uma com sua razão - e as razões todas se resumem a garantir que todos os usuários recebam as 4 liberdades. Muitas das mudanças são apenas para tornar mais claro o significado, e não para mudar o sentido do que já estava dito na versão 2. Algumas das mudanças são pra fazer a GPL ficar mais independente de variações locais nos diversos países em que é aplicada, outras são um pouco mais substanciais porque incluem novidades explícitas.
[aqui eu saí do auditório pra ir procurar alguma palestra que estivesse apresentando algo de novidade, e pedi pra um colega me chamar pelo jabber quando começasse a parte de perguntas e respostas, que era minha esperança de ver a musa do fisl ou algo que ainda não tivesse saído no newsforge há mais de um mês...]
Perguntas, respostas e um belo tapa de luva
Quando eu voltei pra sala, a sessão de perguntas já tinha começado, e o Stallman estava explicando os detalhes da "cláusula Affero", que é uma das cláusulas que a GPL 3 aceita como opção adicional pra compatibilidade com outras licenças, e que permite exigir que pessoas que rodem o programa livre no seu servidor web fiquem obrigadas a disponibilizar os fontes aos usuários do serviço prestado por ele, igual se estivessem redistribuindo o programa. Não, essa cláusula não faz parte da GPL 3, mas se você tiver um programa com essa cláusula, ele é compatível para ser linkado ou mesclado a um programa GPL 3 (e não seria, se fosse com um programa com a GPL 2).
Em seguida fizeram uma pergunta que deu pro Stallman uma oportunidade de criticar a OSI fingindo que estava falando bem dela, dizendo que ela é útil e válida, mas quer silenciar ou "sepultar" toda a questão da liberdade, ficando "apenas" com as vantagens práticas do software, e que as coisas que a OSI prega são apenas um subconjunto das coisas que a FSF prega (embora, julgando pela relação entre os 10 itens necessários para constituir uma licença de código aberto e comparando com as 4 liberdades definidas pelo Richard, essa parte seja bem discutível, IMHO). Ele falou do Eric Raymond também, dizendo que ele é muito ardiloso pra fazer as pessoas abandonarem o que realmente interessa e se preocuparem "só" com o lado prático.
Depois veio uma pergunta sobre o que ele achava sobre "a licença Creative Commons", e ele deu uma resposta muito afu: não existe a licença Creative Commons. Existem várias licenças debaixo desse mesmo guarda-chuva, e nem todas elas são livres. Na hora eu fiquei imaginando se ele sairia pulando descalço e cantando alguma coisa em latim se soubesse que a licença do site do FISL é um exemplo de licença Creative Commons não-livre, mas eu ainda não sabia que ele usava uma licença ainda mais restritiva pros próprios discursos dele e até pra transcrição da palestra dele no site da FSFE. Acho que enviar essa minha transcrição pra um site que publica material da comunidade sempre sob a licença GNU FDL é a minha forma de protestar quanto a isso ^^
Aí veio o momento que eu mais gostei, do meu dia inteiro no FISL: minutos depois de o Richard ter perdido a linha pra falar da OSI e do Eric Raymond, que nem estava presente, o Michael Tiemann, presidente da OSI (faz tempo que ele sucedeu o ESR), pediu a palavra, esperou sua vez (seria bem mais divertido se ele tivesse saído pulando, sem sapato, cantando algum slogan em esperanto...) e disse calmamente que:
1. Como presidente da OSI, ele (Tiemann) sempre apoiou a GPL como a licença-modelo para os desenvolvedores. Eric Raymond agora fala só por si, e não pela OSI.
2. Que embora entenda a posição de Stallman, de dizer que se alguém não defende a liberdade sempre em primeiro lugar no seu posicionamento, então este alguém a está sepultando, ele (Tiemann) pensa diferente.
Nessa hora, como já parece ser hábito, o Stallman cortou a palavra do Tiemann pra se desdizer, passando a afirmar que nem sempre o uso do termo Open Source implica em não defender a liberdade, e algumas coisas assim. O Tiemann aguardou com paciência, e aí continuou:
3. Que apóia e respeita o que Stallman está fazendo, que tem um valor incrível.
Sensacional para o presidente de uma entidade que havia sido criticada duramente e em bases erradas há poucos minutos, né? Quem dera todo debate sobre software livre fosse assim... O Stallman só agradeceu, e não comentou mais nada.
[nesse momento o meu celular tocou pra avisar que a minha carona de volta pra civilização tava partindo, então a partir daqui eu não estava mais gravando, e escrevo só de memória o que vi enquanto dava shutdown e guardava o notebook e saía do auditório]
Um cara que parecia ser algum bambambam dessa área (mas não sei quem é) perguntou por que a GPL não tinha tradução oficial pra outros idiomas, já que agora existia esse reconhecimento de que a licença precisa ter validade jurídica em outros países - e pra ter validade jurídica plena aqui no Brasil, ela precisa ser em português.
O Stallman respondeu que o problema é que ele e o Eben Moglen não falam os outros idiomas suficientemente bem para escrever neles, e uma tradução errada poderia ser um desastre absoluto, e duraria pra sempre. Então eles preferem escrever só em inglês mesmo, embora ele tenha tido a idéia (naquele dia mesmo, segundo ele) de fazer versões em outros idiomas com data de expiração marcada, então se tiver algum erro grave, ele não vai durar pra sempre.
O cara replicou que é fácil pro Stallman pensar assim, porque ele mora em um país que fala inglês. O Stallman respondeu que concorda com esse ponto de vista, mas não é esse o ponto.
[ nisso eu saí da sala, e enquanto caminhava em busca da carona, fiquei pensando: de que adianta ter FSFLA e FSFE se o Stallman admite abertamente que não confiaria nelas pra fazer uma tradução da GPL? E que tipo de desenvolvimento aberto é esse? Talvez ele tenha explicado isso depois que eu saí da sala, então fico devendo.
Valeu pela atenção, e até o ano que vem!]
Na hora eu fiquei imaginando se ele sairia pulando descalço e cantando alguma coisa em latim se soubesse que a licença do site do FISL é um exemplo de licença Creative Commons não-livre, mas eu ainda não sabia que ele usava uma licença ainda mais restritiva pros próprios discursos dele e até pra transcrição da palestra dele no site da FSFE. Acho que enviar essa minha transcrição pra um site que publica material da comunidade sempre sob a licença GNU FDL é a minha forma de protestar quanto a isso.
Baixei um vídeo em wmv ontem. Para minha surpresa ele não abriu no linux. Reiniciei no windows e quando tentei abrir ele pediu para instalar o novo windows media. Instalei.
Quando abri o tal vídeo ele conectou em um site estranho, dizendo que estava "adquirindo a licença de conteúdo", e depois disso abriu uma janela que disse que só deixaria eu ver o vídeo se eu aceitasse uma licença estranha e instalasse um software (malware) no meu micro.
Simplesmente removeram meu direito de assistir o vídeo onde eu quisesse e ainda tentaram infectar meu micro. E a tal empresa do tio bill ainda apóia isso.. Revoltante.