Aproveitando o lançamento da versão estável do OpenOffice.ORG 2.0, eu e o Rubens Queiroz de Almeida, mantenedor da
Dicas-L, realizamos uma breve entrevista com Cláudio Ferreira Filho, que é o coordenador do projeto de adaptação e tradução do OpenOffice ao português do Brasil. O Cláudio realiza este trabalho com uma equipe de voluntários desde 2002, a partir de sua casa em Rondonópolis, no interior do Mato Grosso - quando não está participando dos eventos de software livre em todo o Brasil para ajudar a divulgar o projeto. Nas palavras do Prof. Rubens, "Todos nós, que usamos software livre no Brasil, temos uma enorme dívida de gratidão com o Cláudio e sua equipe, que têm realizado um trabalho fantástico, que requer uma grande dose de sacríficio pessoal e dedicação."
Veja abaixo a íntegra da entrevista.
1. O seu trabalho de tradução do OpenOffice e de criação desta comunidade de colaboradores certamente foi e tem sido um marco no cenário nacional. Uma grande quantidade de projetos nasceu desta iniciativa, visto que um dos maiores entraves ao uso do OpenOffice no Brasil era a interface com o português de portugal. Como foi esta batalha e qual a sua opinião sobre o cenário atual? O que pode ser feito para a manutenção deste importante trabalho?
A batalha: O trabalho foi exaustivo mas gratificante. Começamos em 2002 com 7 pessoas, chegando a picos de mais de 150 em determinados momentos, no entanto, como todo o projeto, temos altos e baixos. Cenário atual: Muita gente imagina que o projeto está parando ou parado, no entanto, estamos em um processo de reestruturação, nos organizando a nível de frentes de trabalho, infra-estrutura, metodologia, entre outros. Agora, o que pode ser feito para dar manutenção é igual a qualquer outro projeto, precisa-se de recursos, seja humano ou infra-estrutura. O recurso humano sempre está presente. Quase todas as semanas recebo um email de pessoas interessadas em ajudar e isso é ótimo, no entanto, a outra parte, de infra-estrutura, é algo que nos faz muita falta. Temos um bom servidor, uma excelente equipe de segurança, banda e uma boa estrutura de espelhos. Mas entre o código e esta parte, temos um grande abismo, na questão de equipamentos bons para compilar, custos de software, entre outros.
O que muita gente reclama é o de porque não dispor de uma compilação para mac, ou sparc, ou até mesmo empacotamentos nativos para slack entre outros. No windows, por exemplo, o custo em software para fazer uma compilação é algo acima dos R$ 10.000,00. Fazemos software livre, mas não usamos software pirata para fazê-lo. Hoje, essas coisas fazem falta para nós, e até recebemos propostas de equipamento e software, mas na hora de disponibilizar, isso TEM que ficar DENTRO das empresas q fornecem. Sem acesso à máquina, não tem como trabalhar - "Te empresto o carro, mas não dá pra tirar da garagem..." - fazemos como? Estes são alguns exemplos da problemática que temos.
2 - O OpenOffice.org 2.0 acaba de ser lançado internacionalmente, e já ouvimos dizer que o Projeto Brasil irá lançar o BrOffice, que além do nome mudado devido a questões de registro de marca no Brasil, terá alguns recursos e características a mais. Que aspectos do BrOffice você acredita que irão agradar mais aos usuários?
O BrOffice.org é, e sempre será, a comunidade brasileira do OpenOffice.org, só que agora com um grau a mais de proteção para nossos colaboradores e usuários. Esse ponto em si, já é a maior justificativa de ele existir.
Quanto aos recursos adicionais, sempre zelamos pela qualidade do português - entenda-se a tradução para o pt-BR com o uso de palavras adequadas, e não os neoplagismos que sofremos nas últimas duas décadas na área de informática - junto com recursos de idioma, como corretores, cliparts, modelos gerais, extras, entre outros.
3 - De que forma a comunidade pode contribuir com o desenvolvimento do projeto no Brasil, e como os interessados devem proceder para oferecer seus esforços ao OpenOffice.org Projeto Brasil?
Bem, podemos compreender "comunidade" de muitas formas. Comunidade de empresas que usam, de usuários, de desenvolvedores e assim por diante. Pessoas que tenham interesse em ajudar, devem procurar na página do projeto o que gostam de fazer e os projetos relacionados com o que sabe/gosta de fazer. Em seguida, contatar os respectivos coordenadores e começar a trabalhar. Até que este processo é relativamente tranquilo e tem ocorrido desde a fundação do projeto em 2002.
Agora, apoio institucional é algo que nos falta largamente. Hoje, o Brasil tem aproximadamente 35 milhões de desktops. Não sei qual é a proporção em relação a computadores em empresas, mas com certeza é superior a 50%. Considerando que a metade seja comercial, são mais de 17 milhões de máquinas. Em janeiro de 2005, já tinhamos mais de 5 milhões de OOoBr rodando. Considerando R$ 800,00 a cópia do M$ Office, já resulta em uma economia de R$ 4 bi, sendo a metade no mercado corporativo. Investir 1%, é coisa de R$ 40 milhões, que poderia alavancar um desenvolvimento surreal no país. Isso que estamos falando apenas de ferramenta de escritório. Imagina se considerasse as outras áreas/programas?!!
4 - Qual a sua motivação para dedicar tanta energia a um projeto livre? O que você diria a quem está considerando a idéia de engajar-se em uma atividade semelhante, mas não tem certeza se vale a pena?
Se você olhar projetos como os telecentros em todo o país, micro e pequenas empresas que mal tem condições de investir em TI(quem dirá gastar ~ R$ 1.500,00 em win+office por máquina), entre tantos outros esforços que contribuiem para o combate da exclusão digital, e consequente combate a EXCLUSÃO SOCIAL, é algo q já faz valer a pena a luta. No entanto, é importante resaltar que é um trabalho árduo, que envolve dedicação e que, em alguns casos, pode trazer infelicidades. Isso acontece quando vemos *bons desenvolvedores*, que fazem um trabalho excelente, mas que no fim do mês não conseguem pagar as contas de casa. Na própria pesquisa desenvolvida pela Unicamp, com apoio da Softex e ITI - O Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil - demonstra que hoje o software livre é desenvolvido na sua maioria por um perfil de pessoas mais velhas, com família, trabalhando em empresas não vinculadas a TI.
É algo complicado explicar para uma esposa que está fazendo um trabalho sério, com importância social, mas que no fim do mês não paga a luz que gasta ou as contas da casa. Já vi muita gente tendo que abandonar os projetos que participo para isso.
Assim, digo que é algo que vale a pena, mas é importante ter uma boa estrutura(principalmente a econômica) e dedicar boas horas na semana para isto. O aprendizado que temos com o trabalho em software livre é algo surpreendente, pois REALMENTE precisamos nos dedicar para isso, seja entendendo como trabalhar em equipe e remotamente, seja conhecendo controle de qualidade, projeto, e dependendo em que se ajuda, codificação. Na minha opinião, quem ajuda efetivamente qualquer projeto de SL/CA é um profissional que tem mais que um currículo, pois está mostrando o seu trabalho para quem quiser ver. É uma pessoa que trabalha, de uma forma ou outra, em equipe, e sabe usar um controle de qualidade. Tecnicamente, essa seria minha explicação.
Quer uma dica?
Viabilize uma forma de contribuição voluntária mensal (descompromissada!), isto é, deixe uma conta corrente aberta para quem quizer, e puder, contribuir (quando puder!) com alguma ajuda. Isto ajudaria e muito o projeto. Utilize bancos como: Caixa, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e outros. É uma dica simples, mas creio que possa ajudar.