Na LinuxWorld de 1999 perguntei ao Larry Augustin, na época presidente da VA Linux, se ele acreditava que algum dia teríamos o Office para Linux. Ele disse que duvidava, mas que se um dia algo parecido acontecesse, teríamos o Office para o FreeBSD porque a Microsoft jamais assumiria o Linux como seu concorrente. Passados alguns anos, a Microsoft admitiu o Linux como concorrente tanto que lançou a campanha Get The Facts. Imagino se, na época, eu tivesse dito que a Microsoft lançaria alguns de seus produtos em código-aberto no SourceForge a resposta também seria: Duvido! A Microsoft é uma empresa sólida, calcada em um modelo de venda de licenças de software, defensora até agora das patentes e da propriedade intelectual. A Microsoft já foi uma empresa que ignorou a Internet comercial e mudou. Ou seja, a Microsoft irá mudar sempre que isto fizer sentido em termos de mercado e negócio. Ainda em 2001, comentando novamente o fato de que a Microsoft estava na LinuxWorld em San Jose, California, para "conversar" e vendo como isto evoluiu para o momento atual, dá pra ver que a Microsoft já vê o Linux e o movimento de software livre e código aberto com outros olhos. Ela não chega a ser uma metamorfose ambulante porque seu tamanho não permite, mas já provou estar atenta, mais de uma vez, às mudanças do mercado e que não sucumbirá a elas. À comunidade de software livre cabe aproveitar. Se não mais necessitarmos recorrer à engenharia reversa para abrir documentos gerados pelo MS-Office, que bom! Mais tempo teremos para trabalhar em outras funcionalidades que fazem do OpenOffice e do KOffice ofertas livres à altura da concorrência. Se o Active Directory e o OpenLdap se integrarem de maneira cada vez mais fácil, ótimo! O cliente pode exercitar sua escolha pela solução que mais se adequar a seu ambiente sem ter que se preocupar com questões de interoperabilidade. Aliás, na ponta de qualquer solução sempre estará o usuário, o cliente, e ele não irá comprar licenças nem filosofia, mas algo que o atenda dentro da melhor relação custo/benefício. Especialmente algo que funcione.
Nos demos ao luxo, na Solis, de produzir junto com a Dobro Comunicação um vídeo institucional (que disponibilizaremos para download assim que tivermos a versão final) onde só trabalhamos, de uma forma lúdica e artística, com idéias de liberdade, para apenas ao final entrarmos com nosso slogan: "Solis, o lado livre da tecnologia". Pudemos trabalhar agora no campo das idéias porque já temos uma marca, associada a produtos e serviços reconhecidos no mercado, sob a licença GPL. Falamos, mas fazemos. Muitas vezes pessoas pecam com discursos vazios, ao enaltecerem o software livre, radicalizarem posições antagônicas ao mercado proprietário, mas sem a capacidade de oferecer alternativas reais. Temos que lembrar que o discurso da Free Software Foundation teve eco e sucesso justamente porque propôs alternativas viáveis. Richard Stallman propôs a GPL, mas já oferecia à comunidade o emacs, o gcc e o projeto GNU.
Relato de Cesar Brod sobre o fisl7.0
Para nós, da Solis, o FISL começou bem antes do dia 19 de abril, uma vez
que a Solis ficou responsável por boa parte da infra-estrutura de rede
do evento e pelo streaming de vídeo no estande da InfomediaTV. Nosso
contato com o Infomedia, aliás, vem de longa data. Somos muito gratos a
eles pelo espaço que deram e dão à soluções em software livre e código
aberto, do qual várias vezes participamos. A InfomediaTV foi, para mim,
o grande diferencial deste ano no FISL, ao criar um "Fórum dentro do
Fórum", ampliando o espaço de discussões com as "tardes" do KDE e da
Solis, o espaço para as LinuxChix e Gnurias e especialmente o debate com
a Microsoft.
O que achei mais legal da "polêmica" participação da Microsoft no evento
foi justamente a boa recepção dos participantes. Apenas uma pessoa me
abordou no teatro do Sesi, quando eu e a Josi nos preparávamos para
assistir o show multimídia com BNegão e outros, dizendo ter sentido-se
traída pelo fato da Microsoft ter entrado de forma sorrateira no evento,
sem prévio conhecimento dos participantes. Mas quantas mais surpresas os
participantes do evento tiveram, além desta? Para mim não foi surpresa,
até porque, orgulhosamente e com boa antecedência fui convidado a
debater com o Roberto Prado, gerente de estratégias de mercado da
Microsoft. Aliás, logo ao receber o convite pensei "Por quê eu?", mas a
Fabiana Iglesias, da Infomedia, disse que queria para o debate alguém
que realmente estivesse inserido na comunidade mas que também
participasse de um modelo de negócios viável com software livre,
ampliando a discussão para além do debate filosófico a um mundo onde a
gente tem que viver de algum tipo de geração de renda. Claro que
senti-me lisonjeado com o convite e confesso que fiquei feliz que nem
"pinto em quirera" em poder aproveitar esta oportunidade. O debate, como
todos já puderam acompanhar pelos comentários e até uma
quase-transcrição literal do mesmo aqui na BR-Linux foi bastante maduro
e cordial. A InfomediaTV elevou o nível do FISL ao sair do debate dos
iguais para uma série de debates entre a Microsoft e representantes da
comunidade em vários aspectos, desde o modelo de negócios, onde
abordamos também filosofia e licenças até questões bastante práticas de
interoperabilidade e modelos de desenvolvimento.
"Libertas quae sera tamen"
O evento acabou convergindo com duas datas emblemáticas para nós,
brasileiros. O dia do Índio e a celebração da Inconfidência Mineira, nos
lembrando de uma liberdade que nos foi tomada pelos colonizadores e a
eterna luta para a sua recuperação. Quando Stallman puxou o grito da
Inconfidência em frente ao debate com a Microsoft ele acabou por criar
um momento histórico para o evento. Lembrei naquele momento que na Linux
World de 2000 a Microsoft já estava presente, assumindo ter ignorado o
princípio da internet comercial e que queria entender melhor a
comunidade de software livre para não cometer o mesmo erro. Em 2003 a
Microsoft já esteve presente patrocinando um evento que organizei em
Curitiba, a Conferência Internacional Software Livre Brasil, mas esta
foi a primeira vez em que a empresa se prestou a um debate amplo com a
comunidade. Aliás, um parêntesis: ouvi comentários ainda no FISL de que
as perguntas da platéia e as que vinham pelo BR-Linux estavam sendo
filtradas ou censuradas. Eu estava ao lado do Carlos, âncora da
Infomedia, que recebia as perguntas. Não houve filtro, mas seleção, e
justamente foram as mais polêmicas e agressivas que foram lidas e
respondidas na hora. Posteriormente abriu-se a idéia de ampliar para uma
entrevista na BR-Linux. Mas fechando o parêntesis, não há dúvida, ao
menos para mim, de que a Microsoft já percebeu que o modelo de negócios
está mudando e que, enquanto eles irão se aproveitar ao máximo do modelo
no qual a companhia teve sucesso até hoje, devem se adequar a um outro
que está se moldando agora, que tem a abertura e a liberdade de acesso
ao conhecimento como uma de suas bases principais. A Microsoft entende
de negócios, de mercado. O tamanho da empresa e sua presença provam isto
de forma inegável. Se eles manifestaram o desejo de aprender conosco,
porque não deveríamos nós aprender com eles também? Liberdade ainda que
tardia? Talvez nem tão tardia assim...
Filosofando um pouco, copio aqui um trecho que escrevi em um e-Mail para
a Infomedia, parabenizando os pela coragem de trazer ao Fisl o debate
com a Microsoft: Não há liberdade sem o conhecimento e a abertura do
espaço para as diferenças. A liberdade não pode ser absoluta, única. Ao
contrário, a LIBERDADE é o conjunto de todas as liberdades individuais,
com o respeito mútuo entre todas elas.
Sou absolutamente fiel aos meus princípios. Às vezes sou até crítico em
excesso. Meu notebook não tem dual-boot e pude participar da criação de
um modelo de negócios de sucesso, a Solis, onde todos os sistemas
desenvolvidos estão sob a licença GPL. Isto não é nenhum pouco
conflitante com a boa relação que sempre tive com a Microsoft e outras
empresas que também trabalham com software proprietário. Negar a
existência delas é fechar a possibilidade de negócios a um nicho no qual
tais negócios não se sustentam. Um primeiro passo para a adoção de
software livre é o cliente já ter algum sistema instalado. Na maioria
dos casos este sistema envolverá softwares da Microsoft. Se ao invés de
ter que ficar fazendo engenharia reversa pudermos interoperar com eles
através da adoção de formatos realmente abertos dos dois lados, é isto o
que devemos fazer.
"A visita do Richard Stallman"
Não sou surdo. Com isto fui obrigado a ouvir alguns absurdos. Às vezes
não sei como as histórias contadas de um a um vão tomando formas
estranhas, mas como brinquei muito de telefone-sem-fio quando criança
também não estranho mais muita coisa. Ouvi que a Free Software
Foundation Latin America estava chateada comigo, assim como o próprio
Richard Stallman. Ainda que eu não seja um membro ativo da FSFLA sempre
tive uma proximidade muito grande com eles. No dia seguinte ao debate
com a Microsoft participei de uma mesa sobre a adoção da GPLv3 na
América Latina, convidado pelo Federico Heinz. No mesmo dia o Stallman
foi conversar comigo no estande da Solis. Eu e o Stallman temos uma
relação de mútuo respeito. Concordamos com muitas coisas e discordamos
em muitas outras, falando abertamente sobre elas. Ele é um ícone do
movimento pelo software livre e para ele a questão da liberdade está tão
acima de todas as demais que certas preocupações mundanas, para ele,
muitas vezes têm pouca ou nenhuma importância. Ele é como se fosse o
"grilo-falante", a consciência que fica eternamente nos questionando se,
o que estamos fazendo, está de acordo com os princípios da liberdade do
conhecimento. Ele estava preocupado que o que estava acontecendo era uma
"distração" causada pela Microsoft para, ao abrir o código de algumas
das coisas que produzem, seguir com o seu intuito que era a destruição
da comunidade de software livre. Não compartilho exatamente desta idéia,
mas mostrei ao Stallman a cobertura que estava sendo feita pela
internet, em vários meios de comunicação, e o destaque que a comunidade
teve graças a isto. Disse que, mesmo que a intenção inicial fosse esta
distração, o resultado acabou sendo diverso. A Microsoft acabou por
elevar ainda mais o status do software livre, especialmente no Brasil.
"Mas afinal, qual é a minha opinião?"
Na LinuxWorld de 1999 perguntei ao Larry Augustin, na época presidente
da VA Linux, se ele acreditava que algum dia teríamos o Office para
Linux. Ele disse que duvidava, mas que se um dia algo parecido
acontecesse, teríamos o Office para o FreeBSD porque a Microsoft jamais
assumiria o Linux como seu concorrente. Passados alguns anos, a
Microsoft admitiu o Linux como concorrente tanto que lançou a campanha
Get The Facts. Imagino se, na época, eu tivesse dito que a Microsoft
lançaria alguns de seus produtos em código-aberto no SourceForge a
resposta também seria: Duvido! A Microsoft é uma empresa sólida, calcada
em um modelo de venda de licenças de software, defensora até agora das
patentes e da propriedade intelectual. A Microsoft já foi uma empresa
que ignorou a Internet comercial e mudou. Ou seja, a Microsoft irá mudar
sempre que isto fizer sentido em termos de mercado e negócio. Ainda em
2001, comentando novamente o fato de que a Microsoft estava na
LinuxWorld em San Jose, California, para "conversar" e vendo como isto
evoluiu para o momento atual, dá pra ver que a Microsoft já vê o Linux e
o movimento de software livre e código aberto com outros olhos. Ela não
chega a ser uma metamorfose ambulante porque seu tamanho não permite,
mas já provou estar atenta, mais de uma vez, às mudanças do mercado e
que não sucumbirá a elas. À comunidade de software livre cabe
aproveitar. Se não mais necessitarmos recorrer à engenharia reversa para
abrir documentos gerados pelo MS-Office, que bom! Mais tempo teremos
para trabalhar em outras funcionalidades que fazem do OpenOffice e do
KOffice ofertas livres à altura da concorrência. Se o Active Directory e
o OpenLdap se integrarem de maneira cada vez mais fácil, ótimo! O
cliente pode exercitar sua escolha pela solução que mais se adequar a
seu ambiente sem ter que se preocupar com questões de
interoperabilidade. Aliás, na ponta de qualquer solução sempre estará o
usuário, o cliente, e ele não irá comprar licenças nem filosofia, mas
algo que o atenda dentro da melhor relação custo/benefício.
Especialmente algo que funcione.
Nos demos ao luxo, na Solis, de produzir junto com a Dobro Comunicação
um vídeo institucional (que disponibilizaremos para download assim que
tivermos a versão final) onde só trabalhamos, de uma forma lúdica e
artística, com idéias de liberdade, para apenas ao final entrarmos com
nosso slogan: "Solis, o lado livre da tecnologia". Pudemos trabalhar
agora no campo das idéias porque já temos uma marca, associada a
produtos e serviços reconhecidos no mercado, sob a licença GPL. Falamos,
mas fazemos. Muitas vezes pessoas pecam com discursos vazios, ao
enaltecerem o software livre, radicalizarem posições antagônicas ao
mercado proprietário, mas sem a capacidade de oferecer alternativas
reais. Temos que lembrar que o discurso da Free Software Foundation teve
eco e sucesso justamente porque propôs alternativas viáveis. Richard
Stallman propôs a GPL, mas já oferecia à comunidade o emacs, o gcc e o
projeto GNU.
Pessoalmente, acho que a Microsoft busca a aproximação com a comunidade
de software livre em um momento certo. A convivência é necessária, a
abertura do código é requerida por seus clientes (vide o que se passou
na comunidade européia) e o Linux (e soluções nele baseadas) é
reconhecido como concorrente. Agora, a mudança tecnológica pela qual
estamos passando é mais profunda do que a discussão sobre a licença
específica sob a qual um software é entregue. Grandes empresas estão se
preparando para a oferta de serviços de forma remota. Assim como somos
assinantes de TV via satélite, em breve assinaremos pelo uso de um
editor de textos onde poderemos criar e armazenar nossos documentos de
forma segura, remota e com a privacidade garantida pelo uso de chaves
públicas e identidades digitais. A manutenção da liberdade e privacidade
seguem importantes, mas a forma da discussão se amplia bastante.
Contratos diretos com os prestadores de serviços irão garantir a entrega
de serviços e os direitos de cada um. O espaço para a entrega destes
serviços deverá ser o mesmo que irá garantir a comunicação
ponto-a-ponto, segura e privada entre pessoas. A liberdade individual
deve ser garantida, dentro de um universo confortável de prestação de
serviços onde teremos ao mesmo tempo grandes empresas fornecendo acesso
à softwares "commodities" como editores de textos planilhas, e outros e
cada indivíduo podendo usar esta mesma estrutura para livremente se
expressar através de seu blog.
Talvez, um resumo dos resumos seja que a liberdade está trilhando o seu
caminho, com a importância dada as liberdades individuais graças às
formas de comunicação que cada vez mais incluem pessoas, permitem
denúncias e nos deixam ter uma visão do mundo não só gerada por grandes
meios de comunicação, mas pelo contato cada vez mais direto com quem
vive cada distinta realidade. Não há freio para esta liberdade que
conquistamos cada vez mais. Com respeito a esta, ou estas liberdades,
existirão negócios pelos quais pagaremos pelo conforto de acesso à
determinados serviços. Como estas assinaturas de serviços serão cada vez
mais abrangentes, o modelo de negócio deve permitir que o maior número
possível de pessoas tenha acesso a elas. Pessoas estão sendo provocadas
para isto. A inclusão digital se completará por vários caminhos: pela
necessidade de viabilidade de uma oferta de serviços à todos, pelo
incentivo à geração de emprego e renda para que todos possam ter
condições de ter estes serviços e por iniciativas sociais governamentais
ou não que se preocuparão com que ninguém fique excluído. Posso ser um
baita otimista, mas sinto que estamos no caminho certo.
Páro por aqui porque já escrevi demais.
Abraços,
Cesar
Ou seja, a Microsoft irá mudar sempre que isto fizer sentido em termos de mercado e negócio.
E, quem questiona?