A Mariana, repórter do BR-Linux, ataca novamente: desta vez ela entrevistou
Carlos Morimoto, em Porto Alegre. Veja abaixo a íntegra da entrevista, que fala sobre o Kurumin, Guia do Hardware, computador para todos, laptop do OLPC, cooperação na comunidade e muito mais.
O BR-Linux agradece à Mariana pela iniciativa e pela qualidade do trabalho voluntário, e ao Morimoto por topar responder. Obrigado!
Entrevista com Carlos Morimoto
por Mariana
Eu perguntei ao Augusto se ele se interessaria por uma entrevista com Carlos E. Morimoto. Ele rapidamente respondeu que sim. É fácil entender porque. O Carlos é conhecido por grande colaboração para a divulgação do Linux no Brasil. Uma vez assisti uma (das poucas) palestras dele em 2004 e percebi que a platéia era formada da maioria usuários de Windows. muitas vezes o primeiro contato de usuários brasileiros com Linux é pelo Kurumin. Por ser um sistema operacional muito simples, é muito popular. Isso foi legal, porque os eventos de Software Livre sempre tem o mesmo público e os mesmos palestrantes. Acho que deve ser difícil ter uma palestra legal, e mais difícil ainda ter um público novo para isso. Por isso fiquei muito feliz pelos dois aceitarem minha idéia de colocar o Morimoto a falar :-D
Mariana: Todos nós acompanhamos as críticas ao Computador para Todos, sobre a qualidade e adaptação das distribuições que o acompanham. Alguém te propôs colocar o Kurumin nestas máquinas? Você teria interesse? Acredita que seria possível atingir a escala necessária? Qual a razão de tantas pessoas não manterem o sistema operacional que vem instalado nelas, na sua opinião?
Carlos Morimoto: Isso não depende de mim. Qualquer empresa pode prestar suporte e oferecer serviços, seja relacionado ao Kurumin, ou qualquer outra distribuição disponibilizada sob a GPL.
Um dos problemas que vejo é que o custo de prestar suporte técnico ao usuário final é muito alto, o que acaba inviabilizando projetos comerciais neste sentido. Os usuários domésticos precisam de um suporte muito mais abrangente, incluindo a instalação e uso de diversos programas, manutenção geral do sistema, instalação de jogos e aplicativos diversos e assim por diante, o que demanda profissionais de suporte com sólidos conhecimentos e uma boa didática, para saber entender os problemas e se comunicar com o usuário numa linguagem que ele entenda. Naturalmente, este tipo de profissional é um ítem raro (e caro) no mercado.
Ao mesmo tempo, o usuário doméstico é o que menos tem condições para pagar por suporte. Normalmente recorrem a amigos ou postam nos fóruns e quando realmente não há solução, chamam algum técnico que cobra 50 reais para reinstalar o sistema.
Qualquer sistema de suporte pago acaba enfrentando grandes problemas, a começar pelo uso do telefone como "mídia" de comunicação. Como obter as informações necessárias para entender o que está acontecendo ao conversar com um usuário sem conhecimento técnico e como explicar para ele o que fazer, sem precisar ficar soletrando comandos intermináveis? Talvez funcionasse melhor usando algum sistema de acesso remoto, como o FreeNX, onde bastaria que o usuário conseguisse se conectar à internet para que o técnico pudesse acessar a máquina e resolver o problema remotamente, mas a idéia também tem seus problemas e não resolve a questão da carência de profissionais capacitados.
No caso do Computador para todos, por exemplo, tentaram resolver o problema por decreto, pagando 30 reais por um ano de suporte para as empresas que participam do programa. Oras, fornecer 1 ano de suporte, de boa qualidade, por 30 reais é completamente inviável. Seria necessário que cada profissional de suporte conseguisse atender sozinho um grupo de 1.000 ou mais usuários, atendendo desde o geek que não consegue compilar a última versão do Qemu, até a Dona Maria que não consegue conectar na Internet.
Qual é a solução então? Ou simplesmente não prestam o suporte prometido, ou criam um sistema ruim o suficiente para que a maioria dos usuários desista e instale outra coisa, deixando de usar o suporte.
O único sistema viável que vejo para prestar um bom suporte aos usuários domésticos é a combinação de fóruns, sites e blogs com informações e uma rede de suporte informal, onde você pode contar com algum amigo ou familiar que entende um pouco para ajudar a resolver os problemas, basicamente como já temos hoje. Conforme a base de usuários cresce, muitos problemas que enfrentamos hoje, como a falta de drivers e compatibilidade com aplicativos tendem a diminuir, sem falar que as (boas) distribuições tem avançado muito em termos de qualidade.
Mariana: O que você tem a dizer sobre as ações do governo federal a favor do software livre, depois de 4 anos e toda a publicidade que foi gerada pelo mesmo? O governo alguma vez colaborou ou se interessou pelos seus projetos?
Carlos Morimoto: Um dos erros comuns é achar que o o governo é o responsável por tocar projetos de inclusão, ou por popularizar o uso do Linux. Esta mentalidade de ficar esperando que "o governo" faça as coisas é uma das coisas mais nocivas para o desenvolvimento do país. Na maioria dos casos, o governo já ajuda muito quando não atrapalha tentando colocar em prática programas populistas.
Poderiam, por exemplo, reduzir os impostos de importação de produtos de informática ou criar alguns incentivos fiscais para empresas que desenvolvem softwares ou prestam suporte e deixar que a economia siga seu curso. Teria um resultado prático melhor do que este carnaval todo.
Mariana: O governo federal pretende adaptar o laptop de U$100 nas escolas como projeto educacional, inclusão digital. Uma vez me contou sobre uma ideia de um pendrive com Kurumin, como alternativa viável para projetos como este. Pode descrever a idéia para os leitores do Br-Linux e de como a ideia foi aceita pelo governo quando apresentada?
Carlos Morimoto: A idéia de utilizar um pendrive não se restringe unicamente ao Kurumin, poderia conter qualquer mini-distribuição Linux. A idéia é simples: um pendrive bootável, com o sistema e aplicativos já pré-configurados e algum espaço livre para salvar arquivos e atividades. Cada aluno teria o seu e poderia utilizar tanto nos micros da escola, quanto no micro de casa ou de amigos, sem precisar alterar os arquivos no HD.
Esta idéia tem suas limitações, pois torna necessário que existam laboratórios de informática nas escolas e que a maior parte dos alunos tenha micro em casa, mas por outro lado atende alguns objetivos em matéria de inclusão e reduz o trabalho de manutenção nos laboratórios das escolas, já que as máquinas deixam de possuir HDs e softwares instalados. A principal vantagem seria o baixo custo, já que, se comprados em quantidade, diretamente dos fabricantes, pendrives de 512 MB custam atualmente menos de 20 dólares por unidade, com os preços caindo a cada mês.
Esta é apenas uma idéia avulsa que comentei com alguns amigos. Se alguém quier aproveitá-la em seu projeto, pode ficar à vontade. Considere-a de domínio público.
De qualquer forma, considero a idéia do Laptop de 100 (ou de 150 ;) dólares uma solução mais definitiva para o problema, embora também mais dispendiosa.
Mariana: Eu já usei bastante o Kurumin, e gosto dele. Acho que sou um exemplo de usuária final, porque só uso o desktop, sem nenhum conhecimento específico de administração de sistemas, ou de desenvolvimento. Quais novidades do Kurumin 7 você acha que vão surpreender e agradar mais?
Carlos Morimoto: Nos últimos 4 anos, desde que comecei a desenvolver o Kurumin, o Linux avançou se uma forma surprendente com relação ao uso em desktops. Antigamente, ficávamos aguardando anciosamente novas versões dos programas, simplesmente por que as em uso possuam deficiências graves. Hoje em dia as coisas mudaram muito, os softwares são estáveis e possuiem muito mais funções. A maioria das pessoas que um desktop estável, onde seja fácil instalar programas, e não necessariamente as últimas versões de cada programa.
Acompanhando esta tendência, o Kurumin 7 é baseado no Etch, que é a nova versão estável do Debian, ao invés de utilizar o testing, como nas versões anteriores. Ele é um release "de longa duração", que você poderá usar por um longo tempo, sem sustos ao tentar atualizar o sistema e instalar novos pacotes via apt-get. Ao mesmo tempo, quem tem espírito aventureiro, pode configurar o sources.list para usar o testing/unstable e desfrutar de todas as novidades.
Além disso o sistema passou por uma maturação muito mais longa que de costume, ficou muito mais polido e incorporou mais funções, como o suporte a escrita nas partições NTFS do Windows usando o NTFS-3G, mais opções de configuração, melhor suporte a redes wireless e periféricos bluetooth, melhor suporte 3D, opção de usar o AIGLX+Beryl (dekstop 3D), melhor suporte a hardware, mais ícones mágicos e assim por diante. Estes recursos isoladamente podem não parecer uma grande novidade, mas no caso do Kurumin o mais importante é o conjunto.
Mariana: Pelo que eu acompanho, você atua em diversas áreas ao mesmo tempo: escreve livros, mantém sites, mantém o Kurumin, dá aulas... Qual dessas atividades é a que te dá mais prazer? Como você divide o tempo entre elas? Daria de viver de alguma delas isoladamente?
Carlos Morimoto: Minha atividade principal sempre foram os livros e os tutoriais, dicas e guias que publico no Guia do Hardware. Esta é também a área que mais gosto, pesquisar e explicar as coisas de forma simples. Esta mesma metodologia é aplicada aos scripts e outros componentes do Kurumin, onde o objetivo é simplificar e explicar e, naturalmente, também aos cursos que ministro. De certa forma está tudo interligado e por isso não tenho problema em manter tudo simultâneamente.
Sobre viver de alguma delas isoladamente, acredito que você pode viver fazendo praticamente qualquer coisa que goste, seja escrevendo livros, dando aulas, desenvolvendo scripts ou jogando futebol, desde que se aprimore e seja um dos melhores dentro desta área específica.
Mariana: Reli algumas entrevistas antigas tuas e vi que uma vez você afirmou que acredita que não existe uma comunidade Linux. Você quis dizer que o agrupamento que existe é uma soma de pequenas comunidades e pessoas com seus próprios interesses, muitas vezes conflitantes entre si (como ocorre nas comunidades em geral, tecnológicas ou não)? Qual a sua opinião hoje sobre a importância de esforços coletivos para o avanço do código aberto?
Carlos Morimoto: A sua pergunta ja é uma resposta :). Como disse, isso "ocorre nas comunidades em geral, tecnológicas ou não" e a "comunidade" (note o uso de aspas) Linux não é uma excessão.
O fator mais interessante que vejo é que o código aberto permite que muitos grupos que possuem interesses diferentes cooperem entre si, mesmo que de forma indireta. O que atrapalha são grupos políticos que não entendem de desenvolvimento de software e prejudicam todo o nosso ecossistema com atitudes extremistas, criando resistencia entre usuários e empresas.
Mariana: Tenho certeza de que o número de pessoas que reclama ou critica o teu trabalho é muito maior do que o das pessoas que contribuem e colaboram. Ainda assim, imagino que haja contribuições dignas de nota. Você pode falar algo sobre algumas que mais te chamaram a atenção, e procurar o que há em comum entre elas?
Carlos Morimoto: Com relação ao Kurumin, na maioria dos casos são pessoas que utilizam o sistema e contribuem com a solução para algum problema que encontraram, algum novo script ou dicas de novos drivers ou programas. É muito saudável, pois ajuda desde a própria pessoa que postou (e tem seu problema "pré-resolvido" nas versões seguintes), até usuários novos que não precisam passar pelas mesmas dificuldades. Com o passar dos anos, estas pequenas contribuições se acumulam, melhorando bastante a qualidade do sistema. Com relação às grandes contribuições, tem o Luciano Lourenço, que faz as artes, o Júlio César, que está mantendo parte dos scripts, o Zack que ajuda com várias dicas e vários outros que ajudam a testar o sistema e participam dos fóruns.
Para os que criticam, vale o famoso ditado: enquanto os cães ladram, a caravana passa... ;).
Mariana: Existe grande quantidade de live CDs nacionais, alguns deles com herança do Kurumin e outros não. Você tem relacionamento com os autores e mantenedores deles?
Carlos Morimoto: Tenho bastante contato com o Leandro (do Kalango), o Bruno (do BigLinux) e com o TonyWalker (do Kurumin Games), embora ele ande sumido :). Já troquei muitas idéias principalmente com o Leandro. É só ver a história do clica-aki, por exemplo. Ele teve a idéia de fazer um painel gráfico usando o Kommander para centralizar o acesso aos scripts, eu peguei o trabalho dele e aperfeiçoei, ele pegou alguns dos painéis que modifiquei e adaptou novamente, e assim foi :). O Bruno usou os meus scripts para configurar servidores no Big, mas eu usei a função para salvar o status das placas de rede no meu netcardconfig :). Todas as distribuições funcionam assim, com compartilhamento de idéias e código. Só os ignorantes acham que as distribuições devem ser recriadas do zero.
Mariana: E sobre os sites: os autores dos maiores sites sobre código aberto no Brasil colaboram entre si? Ou agem como concorrentes?
Carlos Morimoto: Não posso falar pelos outros, mas mantenho contato com o Augusto e o Rubens (do Dicas-L), além de já ter trocado e-mails com muita gente. A receptividade é sempre muito boa, existe um espírito de cooperação maior do que em outras áreas técnicas. O mesmo ocorre entre desenvolvedores, como nos exemplos que citei: quase sempre a relação é muito amigável e respeitosa.
O grande problema é que dentro da "comunidade", apenas 1% são desenvolvedores ou editores de sites. O restante são pessoas de todo o tipo, desde as pessoas mais educadas e cortezes, até os piores exemplos de seres humanos. Normalmente as intrigas e brigas ocorrem entre os defensores de bandeiras diferentes, não entre os desenvolvedores.