“Sérgio Amadeu, descrito como "criador dos cursos de Ética Hacker do Hackerteen, professor de pós-graduação da Casper Líbero e ex-presidente diretor do ITI", concedeu longa entrevista em áudio para o IDG Now. Na entrevista, o maior popstar do cenário do software livre governamental comenta diversos assuntos interessantes, incluindo a recente divulgação de pesquisa da ABES sobre o Computador para Todos, o software livre no governo e quem é a figura mais importante do mercado da tecnologia.
Como o material é no formato proprietário e patenteado MP3, fiz uma transcrição completa para aqueles que preferem não encostar em material não sancionado pelos integrantes do panteão da Igreja do Emacs. O texto completo está ao final desta notícia, mas selecionei abaixo alguns dos pontos que mais me chamaram a atenção:
- Ao falar sobre a ausência de Windows no Computador para Todos, Sérgio Amadeu compara o preço de PCs no mercado brasileiro enquanto ele ainda estava no governo (ele saiu poucos meses após a saída de José Dirceu, em 2005) com os de hoje, sem colocar outras variáveis na questão.
- Ele questiona a forma como foi realizada a pesquisa da ABES, os seus objetivos e o momento em que foi divulgada, mas a considera válida.
- Ele afirma, corretamente a meu ver, que se a ABES realmente quisesse combater a pirataria no Brasil, ela se preocuparia em analisar o que acontece com todos os micros domésticos comprados, e de onde são obtidos os seus aplicativos. Mas não trata diretamente da questão de um programa governamental estar sendo usado como instrumento para esta prática ilegal, contribuindo assim para o "ecossistema da pirataria" que, segundo ele, favorece o software proprietário, e nem de quais teriam sido as razões deste flagrante insucesso em 73% dos casos.
- Ele acredita que houve uma redução no ritmo do software livre no Governo Federal nos anos finais do primeiro mandato do presidente Lula (ele pediu demissão em meados de 2005).
- Ele se intitula um radical pela democracia, e ao mesmo tempo defende que agora o software livre seja implantado na administração federal por decreto.”
Enviado por André Cruz -
referência.
Veja abaixo a íntegra da transcrição da entrevista.
IDG Now: Sérgio, você concorda com a diretriz dp programa de inclusão digital do governo federal, o Computador para Todos, de não incluir o Windows da Microsoft?
Sérgio Amadeu: Não, concordo... porque... na verdade o Computador para Todos... ele... tem o objetivo de fazer uma política de democratização da tecnologia da informação e o fato de não incluir o software proprietário assegura que ele tenha um preço menor... Queria lembrar que quando foi lançado este programa eu ainda estava no governo, e o computador ele era tentado vender a 1400 reais e hoje tá em torno de 1000 reais, e o custo do software proprietário para todas as empresas caiu por causa exatamente de as pessoas agora terem opção. Que opção: a opção do software livre, que é muito importante pro Brasil.
IDG Now: Mas não conseguiria um preço de 1400 reais com o software proprietário?
Sérgio Amadeu: Naquele período não. Por causa do nosso programa com software livre, a Microsoft trouxe pro Brasil um experimento bastante limitado porque não é só o sistema operacional que nós embarcamos, não é? São 26 softwares de alta qualidade, como o Gimp, é, como o Firefox, como o OpenOffice, e não coisas limitadas, editores limitados que estavam sendo embarcados.
IDG Now: Sérgio, uma pesquisa recente da ABES mostrou...
Sérgio Amadeu: (interrompendo a pergunta) Hum, deixa eu só te falar, essa pesquisa não é recente, ela foi feita em junho e eles seguraram até agora por causa da tentativa de na mudança de governo poder tentar influenciar as alterações dos programas e retirar o software livre do universo do governo federal. Você pode olhar a data da pesquisa ela foi feita em junho. E esse quadro já se alterou e a pesquisa ela foi feita por telefone, né?
IDG Now: Tá, você tá dizendo que esta pesquisa não é confiável?
Sérgio Amadeu: Não, eu to dizendo que ela é uma pesquisa... é... que... ela tem limitações, porque ela é uma pesquisa telefônica, as pessoas recebem o telefonema e elas tem, na verdade, algumas pergunta bastante longas, que deveriam ser feitas inclusive com círculos. O... você sabe que quando você tem várias possibilidades de resposta a pergunta que você faz primeiro tende a ter mais respostas do que as outras... Tem uma série de problemas metodológicos. Isso não invalida a tentativa de captar o que tava acontecendo com o programa em junho.
Sérgio Amadeu: IDG Now: Tá, e de qualquer forma a pesquisa mostrou, segundo a ABES, que 73% dos usuários trocaram o Linux pelo Windows, trocaram o software livre por um software proprietário, sendo que por volta de 50%, a maioria deles, fez isso sem pagar nada, o que é um indício de que instalou um software pirata...
Sérgio Amadeu: (interrompendo a pergunta) Não, e as que mudaram pagaram, quase praticamente todas fizeram pirata...
IDG Now: Isso é uma resistência ao uso do Linux? Como você avalia...
Sérgio Amadeu: (interrompendo a pergunta) Não não, primeiro é o seguinte: existe um trabalho... feito... é uma prática anti-concorrencial que tá sendo feita. É... é... primeiro que... diz que... as pessoas são incitadas pelos próprios... alguns vendedores para mudar o sistema operacional. Segundo, já existia no Brasil quem sustenta o monopólio proprietário, que é a cultura... a da pirataria, não é? Na verdade essa cultura da pirataria não é bem uma pirataria, porque existe todo um ecossistema que dá suporte na realidade ao usuário residencial, porque a Microsoft não dá suporte ao usuário residencial. Quem dá suporte é... é a pessoa que cobra 50, 80 reais e instala todos os softwares na máquina das pessoas, nas suas casas. Agora, a ABES, se ela quisesse ajudar a entender o mercado de software no Brasil, e eu quero insistir ela não fez pra ajudar, ela fez pra tirar o software livre do programa, ela deveria ter feito uma pesquisa sobre a compra de computadores no Brasil em geral, porque o programa nosso, aí, que vem com o software livre, ele, é, até nessa pesquisa que eu considero negativa, mostra que 23% usam o software livre, não migram. Sendo que no mercado formal de computadores, e informal também, se você fizer uma pesquisa vai dar mais de 90% que usa software sem licença, portanto integra a pirataria. As pessoas que compram o computador numa loja qualquer, ela compra um computador fora deste programa e este computador em geral vem só com o sistema operacional, porque se eles embutissem o Office e outras coisas muito comuns usadas, como o Corel Draw, como o Photoshop, é, iria inviabilizar a venda, porque o computador seria na verdade muito mais barato do que os softwares. O modelo de software proprietário ele é feito para cobrar de pessoas jurídicas, agora ele necessita de uma massa crítica de pessoas que pratiquem a pirataria para manter, na verdade, pessoas que saibam utilizar estes softwares nas empresas. Essa é a incoerência, o anacronismo - na verdade é a pirataria que beneficia o monopólio do software proprietário.
IDG Now: Qual a sua avaliação da política tecnológica do governo federal nos últimos 4 anos?
Sérgio Amadeu: Olha, eu acho que a política tecnológica ela teve alguns avanços importantes, né, ela... e... e... o principal avanço que eu considero tá na casa do código aberto, a gente conseguiu quebrar a reserva de mercado que tinha e lançar a idéia de que o Brasil pode ter muito mais benefícios com o modelo colaborativo de produção compartilhada de software do que no modelo proprietário. E a segunda coisa foi iniciar um programa de inclusão digital, coisa que tava ausente do governo federal brasileiro. Eu acho que essas duas coisas aconteceram. Infelizmente o lobby de software proprietário atuou o tempo todo pra paralisar as ações que pudessem melhorar a tecnologia no Brasil, que pudessem absorver novas capacidades, que pudessem fazer com que a inteligência tecnológica e científica nacional se ampliasse. Isso foi um atraso tecnológico pro país que os lobbies conseguiram impor.
IDG Now: Sérgio, você tá dizendo que houve um retrocesso nos anos finais do governo Lula?
Sérgio Amadeu: Eu tô achando não, um retrocesso não. Houve uma diminuição de ritmo. Porque eu não posso considerar retrocesso o fato da Embrapa ter conseguido montar o Agrolivre e explorar sua capacidade tecnológica usando o software livre, usando algoritmos abertos, ampliando sua capacidade de produção tecnológica. A Petrobras tem hoje sua essência no cálculo e na simulação, certo, eles fazem isso usando clusters com Linux, cálculos com algoritmos abertos... Nós não podemos considerar um atraso o Exército continuar o plano de ampliação do uso de software livre por razões de segurança. Tudo isso é importante, agora o ritmo foi bastante prejudicado e a gente precisaria retomar.
IDG Now: O que falta ser feito? O que o senhor recomendaria pros próximos 4 anos do governo?
Sérgio Amadeu: Eu acho, sabe o que que falta, eu acho que falta uma linha de financiamento, retomar fortemente o financiamento pro código aberto no Brasil, com FINEP, CNPq, que permitisse que as universidades ensinassem o ensino mesmo universal, que ensinasse o sistema operacional não na teoria mas mostrando o código-fonte das coisas, que permitisse que os meninos aqui da USP que tão desenvolvendo um CAD livre, o Arquimedes, pudessem ter recurso pra continuar esse desenvolvimento, e que tenha financiamento pro universo do código aberto e não só pro software proprietário como teve até hoje. Seguindo a tendência mundial! Você pega que a Sun Microsystems tá abrindo em GPL os códigos do Java, entendeu? Então não é uma tendência exótica do Brasil, é uma tendência que nós do Brasil podíamos encabeçar, e não ficar tão distanciados. Infelizmente, se a gente não abrir essas linhas de financiamento, não fazer o BNDES financiar também infra-estruturas de rede de comunicação viral, redes mesh e também financiar o software livre, ele vai ficar pra trás. No mundo, as grandes empresas vão começar a reduzir custos usando software livre, vão começar a melhorar as suas práticas colaborativas, e nós que tínhamos tudo pra fazer isso vamos ficar pra trás. Terceira coisa: o FUST. Nós precisamos capacitar os jovens brasileiros em código aberto, porque o futuro tá na colocado aí. Os servidores de missão crítica não vão usar mais software proprietário, vão usar Linux, vão usar FreeBSD. O próprio Gartner Group tá dizendo isso. As redes de empresas, as grandes redes, sabem que por motivo de estabilidade é melhor usar software livre, então nós estamos precisando fazer uma grande formação brasileira nacional, capacitar pessoas pra poder aprender tecnologias abertas. E o governo pode fazer isso tanto com o Ministério do Trabalho quanto com o MEC, e pode continuar o programa de inclusão digital dele com tecnologias abertas. Agora, tem uma coisa que ele pode fazer se ele quiser migrar internamente, foi onde teve o grande embate no governo passado, que é, ele pode, é, inverter o padrão de compra e desenvolvimento de software no governo federal. Pra isso, é preciso que a autoridade política máxima diga: olha, o padrão é o software livre, isso não quer dizer que não vai usar software proprietário, mas como o Estado é uma estrutura burocrática, o Presidente da República precisa fazer um decreto. Este decreto, tem um decreto feito, com a participação da FGV, da Escola de Direito do Rio, de vários procuradores, ele tá lá na Casa Civil, se o Presidente quiser ele inaugura a nova gestão colocando um decreto invertendo o padrão de uso e desenvolvimento de software no governo.
IDG Now: Bom, agora nós vamos fazer uma série de perguntas e respostas rápidas.
Cracker ou hacker?
Sérgio Amadeu: Hacker.
IDG Now: Quais serviços on-line você usa com mais freqüência?
É... Buscadores, de informação, sites de busca... Google.
IDG Now: Você tem Windows em casa?
Sérgio Amadeu: Não tenho Windows em casa. Nem eu, nem minha filha.
IDG Now: Quem é a figura mais importante do mercado de tecnologia, Linus Torvalds, Bill Gates ou Steve Jobs?
Sérgio Amadeu: Linus Torvalds. Porque Linus Torvalds mostrou a essência da rede, que é o compartilhamento.
IDG Now: Sérgio, uma última pergunta. Você se considera um radical?
Sérgio Amadeu: Eu sou um... um... um... um radical defensor da democracia e do compartilhamento. Sim, eu sou um radical defensor destes princípios.
Quem ainda acha que o lobby M$ e dos softwares proprietários relacionados está assistindo passivamente projetos de uso de linux e SL em larga escala como o OLPC veja só essa notícia da Tailândia cancelando o projeto OLPC
http://hardware.slashdot.org/hardware/06/11/28/026232.shtml
o mesmo país cujo ministro de TI falou mal do software livre
http://it.slashdot.org/it/06/11/16/0323202.shtml?tid=156
afirmando que não tem utilidade e é cheio de bugs.
"Por acaso" a Tailândia é um dos "contemplados" como o Windows XP "Miserable" Starter Edition
http://www.microsoft.com/presspass/press/2004/aug04/08-11WinXPStarterPilotPR.mspx
http://www.microsoft.com/thailand/
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Usuário Linux #100343
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