Continuando a proposta de publicar um editorial às sextas-feiras sobre os temas que marcaram a semana, aqui estamos nós com mais um texto escrito em primeira pessoa ;-)
Entre os temas da semana estão o encerramento do debate sobre a ausência de atenção dedicada pela comunidade à palestra de Richard Stallman sobre a GPLv3 no FISL, os possíveis perigos da partidarização do movimento de software livre, a LinuxWorld Brasil, e o assunto da semana: a matéria da Veja e a constatação de que não há entidades ou indivíduos se dedicando à articulação política do software livre no Brasil - ou eles estavam em férias durante esta semana ;-)
A saga da ausência de notícias sobre a palestra de RMS a respeito da GPLv3
Houve ausência mesmo?
Nos dias que se sucederam ao FISL, um pequeno (mas ruidoso) número de leitores gastou bastante energia criticando o conjunto da comunidade, que debatia (inclusive em nível internacional) outros assuntos que atraíam o interesse geral mas não escrevia nada sobre o assunto específico que essa minoria acreditava ser o mais necessário e digno de debate: a palestra de Richard Stallman na conferência internacional sobre a GPLv3, realizada durante o FISL.
Hoje faz precisamente um mês desde que o fisl7.0 iniciou, e após ler a
transcrição da palestra de RMS publicada pela FSFE, eu acabei formando minha opinião sobre o assunto: acredito que não houve mais transcrições nem debates, e que elas não surgiram mais cedo, porque a comunidade tem se mantido bem informada sobre o assunto, e a palestra no estilo "apanhado geral" de Richard Stallman esteve muito mais no campo da reafirmação do que no da novidade - algo muito apropriado para a situação, mas que naturalmente gera muito menos cobertura e repercussão do que se ele tivesse feito um anúncio de uma novidade no processo, ou mesmo se tivesse praticado mais um de seus comportamentos tão peculiares a seu estilo pessoal. Afinal, as questões sobre GPLv3 em relação a DRM, Linux e patentes já vinham sendo discutidas há várias semanas.
Quando publiquei o
relato da palestra enviado pelo leitor Carlos Estêvão, acabei descobrindo que houve sim pelo menos um anúncio de novidade, durante a sessão de perguntas e respostas após a palestra, quando Stallman revelou ter recebido a inspiração sobre uma forma de traduzir a GPL para outros idiomas sem ter de confiar na tradução de outras pessoas da organização nem se expor às perspectivas de desastre que ele via antes. Achei muito positivo! Mas nem isso, nem a manifestação fora do comum de Michael Tiemann (presidente da OSI) durante a mesma sessão chegou a provocar o grande debate que eu achava que ocorreria - nem mesmo a minoria que clamava por essa cobertura teve muito a debater - o que aparentemente mostra que os entendimentos sobre o assunto estão consolidados.
Isso também explica a escassez de noticias sobre o assunto em nosso idioma em outros sites - passado um mês da abertura do FISL, acho que já teria dado tempo. Mas na minha opinião isso está certo: sendo uma discussão internacional, é positivo que ela ocorra de maneira centralizada, sem fragmentação por idiomas. E fico feliz por ter feito minha parte para contribuir com a divulgação em português, apesar da alta-freqüência dos relógios-cuco.
O caso Veja: Cadê a articulação política da comunidade livre brasileira?
Ao longo da semana a comunidade lidou com aquele que talvez tenha sido o pior ataque operado por intermédio da mídia contra o software livre no Brasil - e o software livre nem era o alvo, era apenas o instrumento. Falo, naturalmente, da infame matéria da Veja intitulada 'Opção de Lula pelo software livre atrasa o país', que criticou duramente a forma como o governo federal selecionou suas prioridades na área de TI mantendo o foco no software livre, o que teria impedido a atribuição de recursos suficientes às áreas que já iam bem, e não teria alcançado resultado positivo suficiente para justificar isso, nas áreas que escolheu tratar com maior atenção.
Tomei conhecimento do ataque (dirigido contra o governo, mas ainda assim ferindo o software livre) na sexta-feira, ajudei a divulgar a questão no sábado, e já no domingo estranhei a ausência de manifestações visíveis de articuladores políticos da comunidade.
escrevi:
nossa comunidade é provida de grande número de articuladores políticos com laços estreitos com o governo, e que certamente eles estariam preparando uma resposta à altura. Como a Veja circula desde sexta-feira e seu ciclo de repercussão tem pico no final de semana, e como esta resposta ainda não foi divulgada, tenho certeza de que quando vier, será fortíssima, certeira e objetiva, demonstrando mais uma vez o verdadeiro valor dos indivíduos e organizações que assumem para si os papéis de articulação política.
O que vou dizer aqui não é uma acusação ou crítica a ninguém em particular, mas sim uma constatação: embora eu tenha ouvido muitas vezes no passado pessoas se posicionando como articuladores políticos da comunidade, aparentemente elas mudaram de ramo, ou estão articulando de forma tão subterrânea que mal se percebe. Ou estavam indisponíveis justamente neste momento de crise.
Não quero este papel para mim, portanto não critico outras pessoas por não exercê-lo. Nem tenho certeza de que a existência deste papel seja necessária. Mas se alguém o assume e divulga, deveria exercê-lo nos momentos de crise também, e não apenas em frente aos flashes. Fica o alerta a todos: se esperam representatividade e defesa dos interesses coletivos, talvez seja interessante procurar criar algum tipo de mecanismo comunitário que seja atuante (e vá além de discussões internas e pregação aos convertidos) em momentos de crise. Contem comigo para ajudar a divulgar.
E fica a constatação: ao longo desta semana, apesar da visibilidade da iniciativa do BR-Linux e de ter conseguido contato diretamente com quem poderia responder às questões da comunidade, não fui procurado por nenhum movimento, projeto, articulador ou liderança propondo ações em conjunto, oferecendo algum contato extra ou de outra forma exercendo a definição do papel de articulação...
Respostas à Veja
Para complementar: ontem saiu a
primeira nota de resposta das autoridades do governo federal mencionadas pela matéria da Veja. Assinada pelos responsáveis pelo ITI, pela SLTI e pelo Serpro, a nota se distinguiu pela sobriedade e pela defesa da política de software e das ações do próprio governo, e sem se ocupar de forma tão direta pela defesa do software livre. A nota foi apropriada e correta para a finalidade a que se destina, e tem uma característica especialmente digna de menção: não pecou pelo golpe baixo de misturar ataques
ad hominem contra a revista e o jornalista no meio da argumentação - ou seja, concentrou-se em responder à Veja, e não em jogar para a torcida. Ainda assim, a nota não responde nem mesmo à metade das afirmações sobre o software livre (e seu emprego pelo governo brasileiro) que a Veja fez e eu gostaria de poder rebater com dados e informações concretas.
Estes dados e informações concretos foram solicitados no domingo à SLTI, cujo responsável foi a única autoridade federal mencionada na reportagem. Na segunda-feira recebi um telefonema da Secretaria confirmando a intenção de responder às 10 perguntas do BR-Linux, e esta intenção foi reafirmada por e-mail na quarta-feira. Não há nenhuma razão para acreditar que a intenção inicial não será cumprida, portanto vamos continuar aguardando: a transparência do governo federal nos permitirá montar uma resposta à altura.
Em paralelo, já na quarta-feira percebi que a chance de obter os dados antes do fechamento da próxima edição da Veja ia se reduzindo cada vez mais. Resolvi então dar um passo além, e propus uma campanha para que os usuários
enviassem respostas claras e educadas à redação da Veja esclarecendo alguns pontos em defesa do software livre. Pedi ainda que a comunidade ajudasse a espalhar a mensagem, e o resultado demonstra que a defesa de interesses em comum pode unir nossa comunidade de forma independente de movimentos políticos: nas últimas 72 horas foram vários milhares de acessos à página com a mensagem e as instruções sobre como enviá-la à Veja. E a análise do log mostra que as pessoas estão seguindo links dos sites mais variados: bluebus, softwarelivre.org, orkut, os blogs mais variados (alguns mostrando inclusive as mensagens diferentes com as quais aderiram à campanha), um jornal, e muitas, muitas listas de e-mail. Obrigado a todos, espero que nossa mensagem seja lida.
Obrigado também ao Falcon_Dark, Ricardo Bánffy/Webinsider, Sérgio Amadeu, Rafael Peregrino/LinuxMagazine e a todos os outros que de maneira independente mas unida por um interesse comum fizeram sua parte para oferecer uma resposta à atitude da Veja.
E se for para termos articuladores, que eles apareçam e façam sua presença ser notada com vigor nessas horas...
Software livre e política partidária
Eu sou a última pessoa que vocês verão fazendo campanhas de política partidária ou sugerindo em quem ou como cada um deve votar. Mas tenho visto o crescimento de dois posicionamentos que considero perigosos sobre o software livre:
- reduzir o software livre a uma questão política ou partidária
- reduzir o posicionamento político ou partidário a uma questão de software livre
A política tem seu papel no que diz respeito ao software livre, e vice-versa. Mas os exageros devem ser evitados, principalmente os argumentos do tipo bicho-papão: "se você não votar da forma Y, será o fim do software livre no Brasil ou no estado Z". De fato, temos assistido a várias situações em que a alternância de governos leva a interrupção de projetos de adoção do software livre. Mas este não é o único cenário possível, e nem precisa ser o único critério de escolha política.
Para ilustrar, um exemplo de cada caso, que venho estudando para minha pós-graduação. Um estado brasileiro construiu uma história de adoção do software livre, e transformou esta adoção em bandeira partidária. Em 2002 houve a alternância do governo estadual, e seguiu-se quase imediato desmantelamento das iniciativas de software livre, cessação de apoio às iniciativas da comunidade sem perspectiva de diálogo. O bicho-papão pegou mesmo.
Uma situação bem diferente encontrei pesquisando a situação dos municípios em que houve alternância em 2004. O governo anterior de um município litorâneo havia passado por aquela fase de deslumbramento, criou sua própria distribuição de Linux para uso próprio (e obrigando-se ao esforço de mantê-la, algo que aconteceria de modo bastante diferente se ele adotasse uma distribuição existente, contribuindo com código para ela ou não), obteve o merecido destaque na imprensa e formou sua equipe. Mudou o governo, e apesar dos discursos alertando contra o bicho-papão do desmantelamento, o software livre foi mantido no back-end e hoje é orgulhosamente exibido até mesmo em banners no website do município. É difícil saber se os desktops do município ainda estariam rodando software livre se a administração anterior tivesse adotado uma distribuição que não precisasse ser mantida por ela mesma, mas pretendo descobrir isso em entrevistas posteriores (e se o trabalho ficar legal, compartilho com vocês depois).
São apenas 2 exemplos, e há muitas outras possibilidades. O resumo da ópera é que as opções políticas de cada um são absolutamente pessoais, e cada um escolhe seus próprios critérios. Nem sempre a continuidade da política pública de software livre existente é a melhor opção, e não necessariamente este deve ser o principal critério de escolha. Discussões partidárias são bem-vindas em diversos lugares, mas querer impor uma visão ou um critério de escolha partidária aqui nos comentários do BR-Linux é um ruído desnecessário - e um esforço que seria melhor aproveitado em outros fóruns voltados a este assunto específico.
Exerça sempre seu senso crítico, e não se deixe levar pelo discurso do medo. Saiba ouvir e formar sua opinião, sem ceder à pressão de quem quer que seja. Fóruns dedicados à tecnologia não fornecem o solo ideal para que germinem debates políticos amplos - não deixe ninguém reduzir o software livre a uma questão partidária, nem reduzir o posicionamento político a uma questão de liberdade de software!
LinuxWorld Brasil
A semana que vem será marcada pela LinuxWorld Brasil, evento que tem características muito mais voltadas para o mercado do que para a comunidade. Isso significa que provavelmete iremos encontrar uma cobertura muito mais "de perto" nos maiores sites brasileiros sobre TI, e que estas notícias devem repercutir no mercado com uma facilidade muito maior do que as geradas em eventos com características mais "de comunidade". Estas notícias me interessam muito menos, pessoalmente, mas vou fazer o possível para cobrir o evento com qualidade, mesmo estando distante. Já renovei a parceria de cobertura com o InfomediaTV, então deveremos ter vídeos, notícias e informações sobre os bastidores, bem além do que a Info e o IDG Now vão mostrar ;-)
Mais importante do que isso, conto com a participação dos leitores que estiverem lá - tentem enviar seus relatos e fotos tão rápido quanto possível, para compartilhar suas impressões com os leitores que não puderem estar lá. E se você não vai ao evento mas gostaria que algum aspecto dele fosse coberto pela comunidade, que tal avisar antes? Se for interessante, eu publico como notícia e conclamo a comunidade a aparecer por lá e registrar para benefício de todos. Não posso proibir ninguém de ficar choramingando depois por 2 semanas porque ninguém cobriu algum aspecto do evento, mas posso oferecer essa ajuda antecipada ;-)
E agora uma aposta. Parafraseando o Cesar Brod no seu texto recentemente publicado aqui no BR-Linux, "Se eu fosse a Microsoft" eu aproveitaria o palco da primeira LinuxWorld realizada no Brasil e a presença do Bill Hilf (chefe do laboratório de interoperabilidade deles) no evento para fazer algum anúncio que levasse mais algumas pessoas a reduzir as dúvidas sobre se eles têm mesmo algum interesse real em interoperabilidade. Alguém aposta contra, e acha que ele vai seguir a moda de vir ao Brasil apresentar apenas um discurso requentado? Alguém quer tentar adivinhar o que vai ser anunciado, ou apostar que não haverá anúncio nenhum?
Para mim, um anúncio não basta para convencer de nada. Mas um discurso morno ou requentado seria uma mensagem muito clara na direção oposta.
Para encerrar: o novo namorado de Stellman
Acabei de ver o link da
notícia na capa do UOL: Nívea Stellman, a musa oficial do BR-Linux, está de namorado novo. Mas não há de ser nada, caro leitor: seu dia de sorte ainda vai chegar.
É isso aí, assim concluímos nosso editorial desta semana.
Custume de escrever sobre Saint Ignucius? :-)
Marcelo Vivan Borro