Criança sem pai, cachorro sem dono, cebola em salada de frutas... Qual a imagem que melhor descreve a situação atual do programa governamental
Computador para Todos? Hoje completa a terceira semana desde que foi
exposto ao público em geral pela primeira vez o
resultado de uma pesquisa patrocinada pela ABES (que naturalmente tem interesses conflitantes com o avanço dos sistemas operacionais livres) que, mesmo com todos os descontos e correções de possíveis desvios nos seus métodos, ainda assim parece apontar claramente em uma direção desagradável: um número extremamente elevado dos usuários que compram barato e com financiamento atrativo o Computador para Todos não mantêm instalado nele os softwares livres incluídos pelos fabricantes. Pior: a maior parte deles instala software proprietário obtido ilegalmente.
Como quando uma criança sem pais é acusada de alguma coisa, entretanto, não surgiu uma autoridade ou órgão responsável pelo programa para refutar claramente as conclusões, ou para aceitá-las (ainda que parcialmente) e detalhar as formas como o programa seria reavaliado e eventualmente ajustado. Mais uma vez o problema fica exposto ao público durante longos períodos, associado ao conceito de Software Livre tanto na mídia quanto na opinião do público em geral, sem a resposta clara e enérgica que mereceria. Pelo contrário, aparecem pessoas para pregar para os convertidos, jogando para a torcida e atacando os métodos e motivações (que provavelmente são questionáveis mesmo) da pesquisa, como se fosse suficiente desqualificá-la e seguir em frente, sem avaliação e ajuste, e até mesmo com
ampliação no escopo do programa. Será que os pais saíram de férias, ou são tímidos?
Logo do Computador para Todos
Não me entendam mal, eu sou do time dos que defendem a disseminação do software livre inclusive como resultado de políticas públicas. Mas limitar-se a forçar os fabricantes a colocar o Linux e os 28 aplicativos nos computadores baratinhos se quiserem ter incentivos fiscais e financiamento, sem dar atenção a tudo o mais (capacitação, disponibilidade de conteúdo, suporte, qualidade da configuração default, etc.) que está envolvido na decisão do usuário de manter ou não o sistema instalado, não me parece um plano muito completo.
Mas estas estatísticas estão certas ou erradas?
Segundo os dados apresentados, a amostra se restringiu a 2 estados (São Paulo e Paraná), e o tamanho da amostra aponta uma margem de erro de pouco menos de 5 pontos. É difícil saber se estas estatísticas estão certas ou erradas sem fazer outra pesquisa complementar (desde que não seja uma pesquisa com resultado previamente definido, como esta que
o Convergência Digital relatou ter ouvido de um assessor do chefe do executivo federal.
Mas certamente os dados apontados não são discrepantes de observações anteriores. Veja este
artigo de agosto e a discussão dos leitores para um exemplo.
Para procurar obter dados adicionais, no domingo da semana passada (26/11), publiquei na capa do BR-Linux um chamado para que usuários satisfeitos do Linux no Computador para Todos entrassem em contato para que pudéssemos ter idéia da sua quantidade e das razões de suas histórias de sucesso. Renovei o chamado na sexta-feira, pedi que as pessoas repassassem a mensagem a conhecidos seus que usassem o programa, e enviei e-mail para todos os assinantes da newsletter do BR-Linux.
Os números envolvidos não servem como grandezas estatísticas, mas podem ajudar a dar uma idéia geral: a notícia de 26/11 esteve na capa do site enquanto um total de 37.427 leitores nos visitavam. A de sexta-feira, por 34.747 leitores. E ao longo dos 8 dias dados como prazo, eu recebi um total de 5 (cinco!) e-mails de usuários satisfeitos de Linux no Computador para Todos.
O que há em comum entre eles? Foram mal atendidos pelo suporte e pela configuração default de seus computadores, mas tiveram condições técnicas de instalar sozinhos outras distribuições no lugar delas, e são felizes usuários delas.
Veja o relato de um deles, um Engenheiro de Produção que trabalha em uma universidade federal. O relato é representativo dos demais, e os grifos são meus:
Ele veio com o Linux instalado, na caixa vieram dois CDs, um com uma cópia do sistema operacional e dos drivers para Linux e outro com os drivers para Windows. Em papel a única coisa que veio foi o manual da placa mãe e um folheto ensinando a montar o pc (ligar os cabos no lugar certo). A venda na loja ocorreu por preço eu escolhi o mais barato pois, queria um computador para navegar na internet e trabalhar com office. Eu paguei R$899,00 parcelado em 12 x sem juros.
Quando eu liguei o computador tudo estava funcionando, quando eu comecei a usar começaram os problemas. As portas USB não estavam instaladas. O modem não estava instalado. Tinha uma gravadora de CD mas nenhum programa para gravar CD.
Primeira coisa que eu fiz foi tentar rodar o cd do linux que veio na caixa pra tentar arrumar, pedi para reinstalar o Linux, tudo ocorreu automaticamente e a única coisa que eu precisei informar foi o meu nome e uma chave de serial (parecida com a do Windows, e que veio impressa na caixa do cd). Ao terminar a reinstalação o modem e as portas USB começaram a funcionar e apareceu um programa para gravar CD.
Usei o computador assim por duas semanas, depois disso lendo em sites da internet eu fiquei sabendo do linux Kurumim que tinha um ambiente gráfico mais fácil de usar com os ícones mágicos que é só clicar que ele instala alguns programas (similar ao windows). Então eu formatei o computador e comecei a rodar o linux Kurumin e é o que eu utilizo hoje em casa.
Os outros relatos variam quanto à distribuição substituta adotada, mas todos têm pontos fundamentais em comum. Obrigado aos 4 usuários satisfeitos do Linux no Computador para Todos!
A importância crucial do suporte ao usuário
Suporte ao usuário é um trabalho muitas vezes ingrato, e geralmente caro. Mas precisa ser feito, especialmente no caso de um programa de computadores populares, muitas vezes vendidos a quem tem pouca ou nenhuma experiência prévia com a instalação e ativação de um computador. Instalar programas, conectar à Internet, imprimir um documento... nada disso é óbvio, e as pessoas precisam ter a quem perguntar.
Em janeiro deste ano eu copiei um trecho que estava disponível no
site oficial do Computador para Todos, e que julguei ser relevante guardar para no final do ano avaliar os avanços. Ele dizia:
O Projeto prevê ainda que todo cidadão, que adquirir o Computador para Todos, terá o direito a suporte, tanto para atendimento técnico (problemas com hardware, defeitos de fabricação, etc.), como para o uso dos aplicativos.
A principal premissa do Projeto Computador para Todos é a de que o cidadão disponha de uma solução informática, em sua residência, que lhe permita, de modo simples e rápido, conectar os fios dos periféricos, ligar o equipamento à tomada e, imediatamente, acessar às facilidades disponibilizadas.
E esta premissa aparentemente falhou na prática. Em quase todos os relatos de usuários em primeira mão do Computador para todos que eu pude encontrar, o suporte do fabricante atendeu mal, não foi localizado ou não resolveu.
Um exemplo emblemático é o de
um usuário de um Computador para Todos de marca de primeira linha, com 128MB de RAM e modem Motorola SM56, cujo modem simplesmente não funcionava - "travava" o computador ao conectar. Ao ligar para o suporte, ele relata ter recebido duas orientações que o deixaram perplexo: 1 - fazer o download de um novo driver do modem (como, se ele precisaria do modem funcionando para fazer o download?), ou 2 - ampliar a memória para 256MB, pois isto tinha resolvido o problema de outros usuários em situação semelhante. Então por que o computador é vendido com 128, ele se perguntou - e a razão da pergunta ecoa até a conclusão de seu artigo.
Iniciativas da comunidade, como o
SuporteLivre, procuraram de alguma forma complementar o suporte oficial do programa, mas os obstáculos são grandes, a começar da própria dificuldade de os usuários interessados ficarem sabendo que dispõem desta opção.
Racionalidade econômica HOW-TO: mecanismos de incentivo
Minha formação é de Administrador de Empresas, mas aprendi Economia suficiente para entender o funcionamento básico dos mecanismos de incentivo em um mercado racional. Basicamente, você cria mecanismos (geralmente financeiros) que recompensam as organizações e indivíduos que se comportam da forma que se quer estimular, e que desmotivam o comportamento oposto.
Infelizmente, entretanto, ao analisar a implementação do Computador para Todos, me parece que não existe um incentivo forte para que os fabricantes realmente se esforcem para manter os usuários usando o software originalmente instalado.
Na ponta do lápis: o fabricante do hardware normalmente não tem uma distribuição própria de Linux, e nem está interessado em prestar o suporte ao software (obrigatório nos termos do programa Computador para Todos). O que ele naturalmente fará? Isso mesmo, contratará outra empresa que irá se comprometer a fornecer o software configurado, e a prestar suporte aos usuários dele, cobrando um preço pré-determinado entre eles. Um arranjo simples, correto e tradicional.
Entretanto, os mecanismos de incentivo do Computador para Todos têm como seu principal gatilho o fator custo: computadores abaixo de um determinado valor têm direito ao financiamento e vantagens fiscais, e acima daquele valor não. Assim, exceto quando motivado por forças externas (como a concorrência com outros fabricantes que não estejam fazendo o mesmo) o fornecedor racional buscará reduzir seu custo ao máximo, de modo a continuar vendendo o computador perto do preço-limite do governo e ter assim a maior fatia de lucro, dado pela diferença entre o custo e o preço máximo de venda. Como há demanda suficiente por estes produtos, vários fabricantes (mesmo sem combinar entre si) podem oferecer seus computadores perto do preço máximo do programa governamental, e assim todos maximizam seus lucros.
Até aí, trata-se apenas de mecanismos econômicos comuns em mercados rigidamente regulados. Mas a perversidade do modelo ataca a partir daqui: como não há um incentivo específico para a qualidade do suporte prestado ou da configuração default dos equipamentos, a tendência automática é cada fabricante simplesmente contentar-se em escolher o mais barato entre os fornecedores de sistema operacional e suporte que sejam capazes de cumprir de forma crível os requisitos técnicos mínimos do programa (é a mesma razão porque eles tendem a incluir apenas 128MB de RAM, placas de vídeo com memória compartilhada e modems de segunda linha - não ganham nada a mais se oferecerem algo melhor, ainda que fique dentro do limite de custo...)
Conseqüência prática: incentivo perverso ao suporte de R$ 30 por ano
E o que toda essa conjugação econômica gera na prática? Muito simples: Semp-Toshiba, CCE, Novadata, Aiko (Evadin), Kellow, Gradiente e Positivo já usaram ou estão prestes a adotar
uma distribuição que consegue cobrar apenas R$ 30,00 por ano para prestar suporte a cada usuário - e inclui neste preço também o custo de preparar a configuração básica do computador, incluindo os drivers dos periféricos.
Ela vai ganhar R$ 30,00 de uma forma ou de outra, mas só vai ter o custo de suporte se os usuários de fato continuarem usando o software que veio instalado. De que forma você vê o incentivo econômico agindo aqui?
Claro que não posso afirmar que a empresa DESEJA que os usuários desinstalem o software original. Mas ela certamente não tem incentivo econômico para desejar que eles usem, e outras empresas que desejem prestar outro nível de suporte a um custo mais elevado batem em um muro intransponível quando percebem que as indústrias de hardware não têm incentivo para trocar.
E o que fazer agora?
De minha parte, torço para que mais dados surjam e removam dúvidas sobre a situação real do projeto. Torço também para que surja um pai orgulhoso da criança, pronto para reconhecer o quadro da forma como ele se apresenta, e tomar as atitudes enérgicas que julgar necessárias para corrigi-lo, se for o caso.
Além disso, embora certamente todos os órgãos envolvidos contem com uma visão muito mais avançada, profissional e completa sobre o programa, deixo registrada minha humilde sugestão de que o programa seja revisto para incluir incentivo a que as indústrias atendam a padrões e requisitos mínimos de qualidade da configuração default e do suporte prestado, e que as iniciativas de suporte complementar prestado pela comunidade sejam fomentadas adequadamente.
Caso contrário, talvez seja melhor assumir que não há preocupação com o nível do suporte e a configuração default dos micros populares. Mas não acredito que seja o caso, portanto tenho a mesma inabalável expectativa de sempre, de que haverá uma resposta oficial em breve, analisando claramente a situação e definindo um plano de ação concreto e imediato.
E, principalmente, assumindo o papel de pai da criança, responsável pela situação e por sua solução.
__A culpa eh sempre do Pinguim, nao importa se a empresa deu um computador com modem mal configurado, um HD mal formatado, uma distro desatualizada, desconhecida e sombria...Tudo cai na conta do SO! Mesmo os profissionais da area de TI, nem pensam duas vezes: Eh o Linux que nao presta, e nao a empresa empacotadora! Nessa pespectiva, eu me ponho a pensar se ha retorno, se eh possivel remediar esta catastrofe, se essas empresas caca-niqueis nao deveriam sumir do mapa, e as exigencias com relacao e a esse computador nao deveriam ser mais severas, com relacao ao suporte e boa funcionalidade e interacao entre softwares, hardware e usuario.
__Me pergunto se nao seria melhor voltarmos ao bom e velho, capital de mercado, onde uma selvageria dita as regras do mercado.
__Como dizer que Ubuntu nao eh bom? Ou OpenSUSE? Ou Mandriva? Ou Kurumin? Ou Fedora? Menpis. Qual a percentagem de uso dessas distros no PC Conectado. Muito pouca ou nenhuma.E sao elas que definiram, comjuntamente com o Debian, Red Hat e Conectiva, todos os conceitos de que temos de linuxs voltados para o usuario final...Por que entao nao foram utilizadas no programa governamental na medida correta? Por que temos de suportar a ignorancia e estupidez de pessoas, muitas delas professores e graduados, que jogam na Tabela do Linux todos os erros e estrategias mal feitas de empresas fundo de quintal, outras sedentas por lucro facil, e Governo Federal?
__Agora a culpa eh do Linux, porque todo mundo usa Windows, e por isso temos que sugerir Windows...Como se o Linus Torvalds conhecesse as " "distros" usadas nos PCs brasileiros...
__A prova cabal de que a culpa do fracasso do tal PC para Todos, nao eh do Linux e sim dos envolvidos no projeto, reside no fato de que ate os usuarios de Linux o trocaram por outras versoes mais acabadas.
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Arte com Linux e Software Livre:
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