Notícia publicada por brain em outubro 11, 2004 11:28 PM
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O Seattle Times publicou uma entrevista por e-mail com Linus Torvalds, em que o finlandês criador do Linux fala sobre a sua mudança para Portland, o apoio de grandes empresas como a IBM e a HP, a rivalidade com a Microsoft, as diferenças entre shared source e código livre, e mais.
Atualização: O leitor okavango publicou nos comentários a sua tradução da entrevista.
Uma tradução livre:
Linus Torvalds iniciou sem querer uma revolução na indústria da computação quando criou o sistema operacional Linux e decidiu partilhá-lo com colegas programadores na Internet. Ele falou via email da sua mudança para Portland, da situação atual do Linux e da Microsoft.
P. Por que você escolheu morar em Portland, e qual a sua impressão até agora do Noroeste? Alguém me disse que você mudou pra lá porque se parece com a Finlândia. É verdade?
R. Bom, o Noroeste com certeza se parece mais com a Finlândia, considerando que a Califórnia é diferente da Finlândia. Mas, não penso que tenha sido por essa razão. Apesar de que uma parte com certeza foi porque achávamos Portland mais "morável", por ser menor e menos agitada que o Vale do Silício. Se isso foi porque cresci na Finlândia, não sei. E, sendo da Finlândia, as histórias de horror sobre chover muito [em Portland] não me assustaram tanto quanto aos californianos.
P. Você vê Portland como um novo centro para desenvolvimento de Linux?
R. Do meu ponto de vista, o desenvolvimento do Linux é praticamente não localizado, já que trabalho com todo o pessoal o tempo todo via email--mesmo com os da área de Portland. De modo que não vejo assim. Dito isto, há claramente uma comunidade Linux muito vibrante em Portland, não nego.
P. Em que área você espera ver Linux tendo maior crescimento nos próximos cinco anos?
R. Tenho percebido intensamente que a vantagem do Linux é não ter nicho nem mercado específico: diversas pessoas e empresas acabam moldando-o à sua configuração, de modo que no fim temos um leque bem variado. Continuo achando o desktop interessante, porque é como eu sempre usei pessoalmente o Linux e com o que tenho me interessado. É a área de maior desafio técnico (e mercadológico), o que me faz apreciá-la mais que tudo. E há claramente um interesse forte e crescente pelos players comerciais nessa área. Mas, por outro lado, a participação no mercado de embarcados [embedded] poderá não ser tão notada, por ficar fora das vistas, ao contrário do desktop, mas certamente é uma área crescente em Linux, também--junto com servidores e supercomputadores e qualquer outro mercado nascente em que as pessoas se meterem. Assim, não tenho um favorito.
P. Como que novas tecnologias você tem se empolgado mais e por quê?
R. Gosto de brinquedinhos (e às vezes briquedões) geeks. A maior satisfação vêm de coisas aleatórias e inesperadas. Linux em celulares e geladeiras, porque nunca tinha imaginado isso. Ou em supercomputadores. Mas no fim das contas, o que faço e no que trabalho tendem a ser os mesmos computadores de mesa normais de sempre, já que é lá que o básico acontece, sem os extremos que tornam projetos divertidos e diferentes tão estranhos.
P. Como a presença da IBM, HP, Intel e outras empresas grandes tem afetado a comunidade Linux? Há menos voluntários agora ou alguns deles foram para outros projetos?
R. Muito pelo contrário, acredito. Com certeza, tem havido discussões sobre como as empresas poderiam mudar o cenário da mentalidade do Linux e do Software Livre. Mas, se tanto, acredito que as coisas acabaram se equilibrando muito, fazendo gente que não acreditava no potencial comercial do Software Livre repensar sua posição e concluir que Software Livre não é hobby; é algo do qual você pode fazer seu trabalho também. E isso atrai gente. Agora, muitos dos voluntários acabaram sendo remunerados, e talvez não possam mais ser chamados de "voluntários" se alguém for tolo demais para pagar a alguém por algo que de qualquer forma teria feito de graça. Se você considerar assim, então talvez as fileiras dos voluntários tenha de fato diminuído, mas não acho que isso seja de fato um problema.
P. O processo anti-trust contra a Microsoft--e as novas regras que impedem a empresa de ameaçar fabricantes de PC--ajudou o Linux?
R. Não acredito que os processos tenham feito necessaria e diretamente uma grande diferença, mas penso sim que fez muito mais gente perceber que talvez a Microsoft não seja o "Sonho Estadunidense" afinal, mas só mais outra empresa sovina que ficaria melhor enfrentando alguma concorrência. E isso talvez tenha aberto algumas portas. Eu acho que a Microsoft tem um problema de Relações Públicas. Muito merecidamente, eu diria.
P. O que você pensa da abordagem competitiva da Microsoft sobre o Linux que enfatiza o que eles chamam de menor custo de propriedade do Windows? [A empresa está dizendo aos clientes que o custo total de usar Windows, incluindo suporte e licenças, é menor.]
R. Achei a campanha de marketing "Get the facts" da Microsoft muito divertida, pessoalmente. Acho que as pessoas podem tirar suas próprias conclusões sobre os fatos.
P. O que você acha do programa "shared source" da Microsoft e programas similares que oferecem acesso [restrito] a seu código para engajar os desenvolvedores?
R. Penso que é fundamentalmente falho, porque não há meios desse "shared source" deles atrair de fato desenvolvedores. É como mostrar a alguém os brinquedos legais e dizer que podem brincar com todos eles, mas que nunca farão parte daquilo, e tudo que criarem será propriedade e estará sob controle da Microsoft. Isso não "engaja" ninguém. Você fica claramente de fora e termina sem nenhum direito. No Software Livre, você tem o direito de controlar seu próprio destino. Quando brinca, mamãe não vai dizer o que você pode ou não pode fazer e não vai tirar o brinquedo de você quando achar que já brincou bastante. Você é adulto, e pode fazer suas próprias escolhas. É nessa hora que você se engaja.
P. Como o Linux pode evitar os problemas de segurança que têm afetado o Windows?
R. Com melhor projeto e maior cuidado. Tendo coragem de corrigir de fato erros fundamentais de projeto, em vez de tentar contorná-los.
P. Qual o próximo passo de Linus Torvalds? O Linux vai continuar a ser seu foco ocupacional?
R. Ei, eu não esperava fazer isso por mais de uma década quando comecei, mas estou muito feliz fazendo-o, e sinto que faço algo significativo. O que mais posso querer?
Gostei da entrevista, das respostas francas e diretas. Não é porque é o Linus não; adoro ler algo em que as respostas são dadas diretamente, sem rodeios. Ah.... okavango, obrigado pela livre tradução.
Frase do mês para mim (baseada na entrevista acima):
" ...estou muito feliz fazendo-o, e sinto que faço algo significativo."
Esses tipos de comentários que valem a pena, valeu...
Assim vale a pena manter a área de comentários no ar ;-)
Excelente entrevista/tradução. Parabéns!
Rodrigo Messias Barros
Campinas-SP
Como no livro "Só por prazer": simples, objetivo e feliz com o que faz. Esse é o Linus.
o Paulo tem razão : Tentando tirar de lado o fato de ser o Linus Torvalds o entrevistado (se é que isso é possível) as entrevistas deles são sempre interessantes, divertidas, irônicas, diplomáticas e modestas. Ficamos felizes com que ele esteja feliz com o projeto e, além disso, merecidamente muito bem remunerado por isso. Espero que mais e mais voluntários deixem de ser voluntários para se tornarem profissionais remunerados que gostam muito do que fazem.
okavango, excelente tradução ! valeu!
Excelente entrevista!
Parabéns ao amigo pela tradução!
Desde que li "So por prazer" e "Ética Hacker" deu pra notar porque e como não só o Linus mas também outros expoentes da comunidade hajem/são como são! Para que não leu; Fica ai a dica de boa literatura do mesmo nível da entrevista para entender melhor o "nosso mundo".
Bela entrevista. O linux só poderia sair mesmo de um cara assim.
Parabéns pela tradução okavango, por mais que se entenda inglês é sempre bom ler em português.
Muitas pessoas que trabalham com linux deveriam pensar nessa frase " ...estou muito feliz fazendo-o, e sinto que faço algo significativo."
Armnado, percebo que muitos que hoje trabalham com linux, trabalham realmente pq gostam e tbm pensam dessa maneira, não vi até hj alguem trabalhando com linux pq esta sendo forçado. Temos hj na comunidade um orgulho de fazer membro desta. Não vemos por ai usuários comprando canecas escrito "hacked by windows" ou com camisas estampadas "eu tenho orgulho de poder usar CTRL + ALT + DEL". Acho que isso mostra de que muitos estão felizes tbm.
Gostaria de parabenizar a tradução e a entrevista, simples e direta.
No começo de minha entrada no Mundo Open Source eu não ganhava nada, mas a cada acerto, cada configuração correta, cada compilação sem erros eu vibrava de emoção. Agora minha renda vem total e unicamente do uso dupla Linux/FreeBSD e tenho orgulho disso, pq posso comprar as coisas que gosto, ter a qualidade de vida que tenho graças ao Software Livre. Há muita estrada a percorrer, sinto q estou ainda no começo " ...estou muito feliz fazendo-o, e sinto que faço algo significativo."
Okavango parabens pela tradução.
Mente brilhante, pessoa sincera e objetiva e acima de tudo, pessoa que se diverte trabalhando, eu me inspiro nesse cara, e viva a comunidade Linux.
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