Na semana passada eu estava envolvido em um evento de software livre e não pude escrever o editorial (nem a newsletter), mas nesta semana resolvi compensar: o editorial fala até em História do Brasil ;-)
E também na vitória do ODF em mais uma batalha, censura, mau jornalismo... e Raul Seixas.
Toca Raul!
Suporte no Microsoft Office: grande vitória do formato ODF, mas ainda há muito pela frente
O formato de arquivos ODF (Open Document Format) recentemente foi
homologado como padrão internacional ISO 26300, o que provavelmente foi sua primeira grande vitória na luta pela adoção no mercado.
Entretanto, ser padrão oficial não basta: até anteontem, sempre que governos, organizações ou mesmo indivíduos pensassem em padronizar o ODF como formato de armazenamento dos seus próprios documentos, ou de disponibilização de arquivos para terceiros, existia uma chance gigantesca de esbarrarem na seguinte situação: o produtor do conjunto de aplicativos de escritório hegemônico no mercado mundial afirmava e repetia que não iria suportar o formato ODF em seus produtos.
Ontem, subitamente, a queda de braço teve um novo lance:
a Microsoft anunciou que irá produzir um plugin oficial para suporte ao ODF no MS Office 2007, e posteriormente para versões anteriores também. A ativação deste recurso constará no menu do aplicativo, da mesma forma que o suporte ao PDF da Adobe.
Trata-se de uma grande vitória para o ODF porque a partir do lançamento deste plugin, os documentos neste formato poderão ser lidos, editados e gravados de volta pelos usuários da ferramenta hegemônica do mercado, com suporte da empresa responsável por ela. Claro que ainda há muito a avançar, um gigantesco legado de documentos em formato proprietário dando tração e colocando a inércia a favor do MS Office e principalmente uma cultura corporativa mundial a mudar. Mas é um passo na direção que nos favorece, e devemos sempre aproveitar este tipo de impulso.
Torço para que o pessoal do OpenOffice.org e de outras organizações ligadas à defesa do formato ODF (o que inclui os brasileiros ITI e BrOffice) saibam aproveitar o momento!
Censura à imprensa brasileira nos anos de chumbo
O software livre não é a única das causas a que me dedico, e ao longo desta semana tive necessidade de pesquisar sobre a censura aos jornais brasileiros no período do governo militar. Como a questão da liberdade de opinião tem relação forte com o software livre, acho que é interessante reproduzir aqui alguns dos casos de resistência silenciosa dos jornais brasileiros às pressões oficiais.
Não é novidade para quem nasceu antes da década de 80 ou estudou a história recente brasileira, mas convido a todos, mesmo aqueles que já conhecem bem os casos abaixo, a refletir sobre eles sob uma ótica renovada.
Um dos exemplos mais refinados desta situação é a previsão do tempo que o Jornal do Brasil publicou em sua capa no dia seguinte ao da publicação do AI-5, que marcou o período mais cinzento do regime militar:
Tempo negro
Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx.: 38º, em Brasília. Mín.:5º, nas Laranjeiras.
Estava na capa, e o censor não viu. Mas quem viu, entendeu que ali havia uma mensagem oculta, e certamente passou a interpretar as demais notícias com outros olhos.
Outro caso muito interessante é o que o Estadão fazia para ocupar os espaços deixados em branco pela tesoura do censor. Trecho da Wikipédia:
Em 13 de dezembro de 1968, a edição do Estado é apreendida em razão da recusa de Mesquita Filho de excluir da seção "Notas e Informações" o editorial Instituições em Frangalhos, no qual denunciava o fim de qualquer aparência de normalidade democrática. A partir de então, o jornal passa a contar com censores da Polícia Federal em sua redação, ao contrário dos outros grandes jornais brasileiros que aceitaram se censurar.
Com a morte de Mesquita Filho, o Estado passa a ser dirigido em 1969 por Julio de Mesquita Neto. Nesse período o jornal ganha visibilidade mundial ao denunciar a censura prévia com a publicação de trechos de Os Lusíadas, de Luís de Camões no lugar de matérias proibidas pelos censores. Em 1974, recebe o Prêmio Pena de Ouro da Liberdade, conferido pela Federação Internacional de Editores de Jornais.
Como censurar os Lusíadas? Infelizmente, muitos leitores não entendiam o óbvio significado da presença de um material tão incongruente no meio do noticiário político ou da primeira página do jornal, e escreviam à redação para protestar porque os poemas eram publicados fora de ordem, e às vezes incompletos. O que prova que algumas coisas no país são constantes ;-) De qualquer modo, eu prefiro letras de música.
Se você se interessa pelo assunto, ou tem bom olho para entrelinhas, o Observatório da Imprensa publicou há algum tempo uma coluna chamada
Ecos de 64, reunindo alguns trechos em que cronistas políticos rememoram o que souberam (mas não puderam contar) nos dias da Revolução Redentora. Chega a ser cômico ver o que um grupo de pessoas sequiosas de poder, mas desacostumadas a tê-lo e exercê-lo naquele nível, fizeram ao alcançá-lo. As promessas incumpríveis, nomeações absurdas, pequenas bobagens que levaram a resultados que conhecemos. Emblemática é a descrição da chegada dos vitoriosos ao Palácio do Planalto, onde não encontraram ninguém que soubesse como acender as luzes e avançaram até o gabinete presidencial à luz de isqueiros.
O final do texto de um dos cronistas (a quem não admiro) me chama especialmente a atenção, de forma positiva:
Alguns amigos pensavam que eu afinal abraçara um lado na luta ideológica do meu tempo. No ano seguinte, Tancredo Neves ofereceu-me um lugar na chapa de deputados federais do então MDB, que eu recusei. Quarenta anos depois, continuo me negando a qualquer participação pessoal na vida política do país. Como jornalista, mas sobretudo como ser humano, sempre que posso -e mesmo quando não posso nem devo-, sinto-me obrigado a proclamar a nudez do rei, de qualquer rei. Certo ou errado, cumpri uma obrigação para comigo mesmo.
Até hoje acredito que o mau jornalismo é aquele que só aponta a nudez do rei que não lhe favorece, e ignora a do rei amigo. Não sou jornalista, mas procuro pautar a cobertura do BR-Linux por princípios similares aos descritos acima, e não admiro a alienação ou o casuísmo de veículos que varrem para baixo do tapete as notícias negativas sobre as entidades, personalidades ou movimentos que defendem sejam quais forem.
Informação livre não combina com censura, auto-censura ou varridas para baixo do tapete, por mais que boatos e cartas anônimas surjam de vez em quando. E deixo uma dica no estilo Mestre dos Magos: saibam sempre ler o que não está escrito tão bem quanto vocês lêem o que está escrito ;-)
MCT suspende uso do logotipo do Computador para Todos
Esta semana o Ministério da Ciência e Tecnologia determinou
suspensão do uso do logotipo do programa Computador para Todos. Segundo o comunicado oficial, o principal objetivo da medida é evitar maiores problemas com a possibilidade interpretação de propaganda institucional do governo, prática vetada pela legislação eleitoral.
Trata-se do mesmo ministério que concedeu a alguns fabricantes a permissão para comercializarem micros com Windows XP (e dual boot com Linux) aproveitando-se dos benefícios do programa Computador para todos.
Só com a praia bem deserta é que o sol pode nascer
Como vovó já dizia, e Raul Seixas um dia registrou,
Quem não tem colírio usa óculos escuro
Quem não tem filé come pão e osso duro
Quem não tem visão bate a cara contra o muro
Quem não tem colírio usa óculos escuro
É tanta coisa no menu que eu nem sei o que comer
Quem não tem colírio usa óculos escuro
Só com a praia bem deserta é que o sol pode nascer
Quem não tem colírio usa óculos escuro
José Newton já dizia:"Se subiu tem que descer"
Fabio Luiz (falcon_dark)
Livre Acesso por Falcon_Dark:
http://falcon-dark.blogspot.com/